A rejeição de contas públicas e a (in) elegibilidade

Por Joseph Piñeiro de Carvalho

Antes de adentrarmos ao ponto principal da nossa matéria que será o julgado recente do TSE sobre rejeição das contas públicas e a regularidade sanável, importante se faz trazer algumas considerações iniciais sobre a inelegibilidade dos candidatos aos cargos públicos.

Segundo José Jairo Gomes, a inelegibilidade denomina-se “o impedimento ao exercício da cidadania passiva, de maneira que o cidadão fica impossibilitado de ser escolhido para ocupar cargo político-eletivo.” [Direito Eleitoral, 11ª ed., atlas, 2015, p. 165].

Em breve síntese, o candidato ao cargo eletivo deve preencher requisitos positivos de elegibilidade para ocupar o cargo público, sob pena de ser considerado inelegível.

O artigo 14 da Constituição Federal prevê alguns dos casos de inelegibilidade, em especial o §9º, o qual dispõe que lei complementar irá estabelecer outros casos de inelegibilidade, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Em razão disso, foi criada a lei completar nº 64 de 1990, também chamada de lei de inelegibilidade, a qual regulamenta o referido artigo da constituição, dispondo extensas hipóteses de inelegibilidades.

Uma das inelegibilidades previstas na lei mencionada no artigo 1º, I, g, são a rejeição de contas públicas, conforme transcrito abaixo:

“g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;”

A rejeição das contas é um tema bastante desafiador e complexo, razão pela qual iremos trazer somente alguns apontamentos e o recente julgado do TSE, que se revela ótimo precedente e bastante interessante para o caso.

As contas públicas previstas no artigo acima são julgadas pelos órgãos competentes, no caso dos prefeitos e governadores, são julgadas pelas casas legislativas após o parecer do Tribunal de Contas Eleitorais (TCE), não devendo ser confundido o referido tema com a desaprovação da prestação de contas eleitorais.

Observa-se que, para ser configurado inelegível com base no artigo em questão, requer: (i) o julgamento e a rejeição da prestação de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) a detecção da irregularidade insanável; (iii) que a irregularidade caracterize ato doloso de improbidade e (iv) que a decisão que julgou as contas seja irrecorrível.

Dessa forma, ponto nodal é que a irregularidade deve ser insanável para acarretar em inelegibilidade.

Assim, pequenos erros formais, deficiências inexpressivas ou que não cheguem a ferir princípios regentes da atividade administrativa, evidentemente, não atendem ao requisito legal. [Direito Eleitoral, 11ª ed., atlas, 2015, p. 207].

Não é qualquer tipo de irregularidade na prestação de contas que ensejará a inelegibilidade.

Discussão que chegou até o nosso Tribunal Superior Eleitoral se o descumprimento do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) configuraria irregularidade sanável ou insanável?

O TSE em julgado recente [REsp nº 0600145-71] entendeu que a violação ao artigo 42 da LRF pode ser configurada irregularidade sanável, ou seja, não acarreta inelegibilidade, porque pode ser corrigida.

No caso em tela o candidato, depois de reeleito conseguiu reverter o déficit do exercício anterior no ano seguinte, excluindo assim a inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, g da Lei de Inelegibilidade, ficando apto à disputa eleitoral.

O relator do acórdão, Ministro Alexandre de Moraes, entendeu no sentido de que a rejeição das contas relativas ao último ano de mandato não configura, por si só, causa de inelegibilidade. Isso porque, no primeiro ano do mandato seguinte, o superávit nas contas da prefeitura compensou e superou o déficit do ano anterior, não havendo, portanto, uma irregularidade insanável que configurasse ato doloso de improbidade administrativa.

Além disso, foi entendido que o STF já sinalizou que a rejeição de contas relativas a um ano é irregularidade sanável, porque pode ser corrigida no ano subsequente.

Nesse sentido, o fato de o candidato que estava no cargo de prefeito ou governador ter as suas contas rejeitadas, por si só, não significa que está inelegível, visto que, no caso que trouxemos, o candidato se reelegeu e no exercício seguinte reequilibrou as contas do município, portanto, não era uma irregularidade insanável.

Os déficits das contas têm o condão de retroagir e afastar a inelegibilidade.

Outrossim, no julgado também não foi identificado e configurado ato doloso de improbidade administrativa, outro requisito para decretação da inelegibilidade prevista na alínea g, do inciso I, do artigo 1º da LC 64 de 1990.

Nesse mesmo sentido, o TRE do Rio de Janeiro em alguns casos afastou a inelegibilidade do candidato porque não restou demonstrado o dolo de improbidade administrativa, apesar de ter as suas contas públicas rejeitadas.

Diante disso, concluímos que não é o fato de um candidato ter as suas contas rejeitadas que, consequentemente, ele deva ser considerado inelegível. É importante que atente-se para os recentes julgados dos nossos Tribunais Eleitorais, que consideram elegíveis os candidatos que não tiverem dolo de improbidade administrativa e que durante a sua gestão cometeram apenas regularidades sanáveis.

Joseph Piñeiro de Carvalho é advogadoPós-graduado em Direito Processual Civil; Membro da OAB Jovem de Itaguaí – RJ, Delegado da CAARJ na 23ª subseção da OAB/RJ; e colaborador do BAIXADA POLÍTICA.

Sua coluna sobre Legislação é publicada às quartas-feiras, a cada 15 dias.

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