por Jackie Marins
É preciso pulsar!
Almir Sater, com beleza ímpar e uma simplicidade desconcertante, já disse que “é preciso amor pra poder pulsar; é preciso paz pra poder sorrir; é preciso a chuva para florir”.
E é, também, preciso conhecer. E ter apreço pelo conhecimento que construímos ao longo dos tempos perdidos na história da humanidade.
Trabalho feito por noites insones, créditos e descréditos, alegrias e sofrimentos… luzes sobre sombras, desvendando os ocultamentos que nossa visão, apenas de parte, não nos permitia alcançar.
Para lidar com tantas faces diversas e complexas da comunidade humana que constituímos é necessária essa pulsão. É preciso a curiosidade que nos move ao aprendizado e à procura de respostas para as inquietações que ardem em nós.
As políticas públicas levadas a efeito pelos governos nas três esferas administrativas, caminham antes pelos corredores do processo legislativo em forma de projetos de lei. E, depois de implementadas, fazem o trajeto para avaliação e análise pelas cadeiras das comissões.
São iniciativas destinadas a responder questões coletivas endereçadas ao estado pelos grupos de interesses presentes na sociedade; e que precisam levar em conta peculiaridades constitutivas de cada necessidade.
Por exemplo, as medidas destinadas a enfrentar a violência contra a mulher em seus múltiplos aspectos (violência física, sexual, psicológica ou emocional, patrimonial), devem levar em conta as diferenças existentes no interior desse problema.
A violência sexual afeta mulheres de todas as idades, desde a infância até a senilidade. Pode ser perpetrada em todos os ambientes (nas ruas, nas instituições, no seio das famílias), por desconhecidos e/ou familiares.
Foram consideradas apenas três faces do mesmo problema, que vão impactar o sucesso das ações e abrir um leque possibilidades, mas, ao mesmo tempo, trazem à tona algumas barreiras e dificuldades, para alcançar a efetividade dessas medidas.
Além disso, a violência sexual contra a criança, não se restringe às meninas; a violência sexual contra a mulher adulta pode não ocorrer na rua, mas ser resultado de um estupro conjugal, imposto na intimidade familiar; a violência sexual contra idosas, pode ter um grau a mais quando é agregada alguma incapacidade mental decorrente da idade.
E quando pensamos em mulheres, é preciso incluir as trans, considerar raça e etnia.
O ambiente da violência, se for no espaço institucional escolar ou do trabalho, tem agravantes que podem acrescentar questões relativas à proteção trabalhista por atentar contra a dignidade humana, talvez.
São considerações importantes, que vêm complexificar a abordagem a ser feita pelo poder público e que precisam ser consideradas no momento de formular as possíveis soluções, porque também envolvem visões sobre as mulheres e seu papel social, que estão arraigados na constituição da sociedade e envolvem fatores culturais históricos.
A Lei 8.743, de 04/03/2019, cria campanha permanente contra o assédio e a violência sexual nos estádios de futebol. Trata-se de uma medida educativa, contendo ações para divulgar informações sobre assédio e violência, disponibilizar telefones para o acolhimento e atendimento das vítimas, incentivar as denúncias e promover a conscientização do público e dos profissionais dentro dos estádios.
Já a Lei 8.332, de 29/03/2020, cria o Fundo Estadual de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. É uma legislação que estabelece meios de financiamento das ações de reforma e manutenção de equipamentos, em especialização de profissionais envolvidos na garantia de direitos e assistência a mulheres em situação de violência, e das medidas de prevenção e combate.
Essas leis são oriundas de projetos de lei apresentado por parlamentares mulheres e por ocasião dos debates em plenário alguns deputados fizeram questão de manifestar suas opiniões favoráveis e congratular-se com as autoras, numa sinalização de transformação das ideias em curso.
Na perspectiva dos debates, estudos e discussões, teve lugar a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Feminicídio, voltada para a apuração de casos de assassinato de mulheres. Os trabalhos dessa comissão aconteceram de fevereiro a outubro de 2019, resultando num relatório detalhado dos casos com apontamentos de sugestões de políticas de enfrentamento do problema.
Circula então uma pergunta, bailando nos pensamentos, será que se essas mulheres não estivessem no parlamento essas propostas e essa CPI teriam acontecido e se concretizado como produção de uma casa legislativa exclusivamente masculina? Sem demérito aos excelentes parlamentares que exercem seus mandatos. Mas é apenas uma questão de perspectiva adquirida pela vivência integral das situações que ganham o foco e tornam-se objetos de agenda.
No Executivo, há também estruturas destinadas a implementação de medidas de enfrentamento a preconceitos, discriminações e violência contra grupos minoritários como os LGBTQ+, um deles é o Rio Sem Homofobia. Com aberturas de Centros de Referência em direitos de cidadania para atender essa parcela da população, espalhados pelos municípios do Estado do Rio de Janeiro.
Nas últimas eleições vereadoras trans e vereadores trans foram eleitos em alguns municípios do país, assinalando a imensa diversidade de nossa sociedade. E, como forma de resistência às mudanças levantam-se casos de violência e intolerância.
Na competência fiscalizatória dos legislativos sobre as ações do executivo, cabe analisar e avaliar como são desembolsados os recursos destinados aos programas e projetos de enfrentamento à violência contra mulheres, à discriminação de qualquer natureza contra pessoas LGBTQ+, contra crianças… Mas não só.
É preciso acompanhar a implantação e o uso dos recursos para atendimento daquilo que é objeto de medidas e regulação do poder público. E a convivência respeitosa, harmônica e pacífica entre todos os cidadãos é fundamental para a manutenção da funcionalidade da sociedade.
A inclusão de disciplinas transversais no currículo escolar, para produzir reflexões quanto à comunicação e às respostas não violentas no trato social é medida de prevenção que surte efeito na formação de novas gerações mais reflexivas e solidárias; menos violentas, por entenderem que existem outros caminhos possíveis.
Nas comissões permanentes ou temporárias, as diversas correntes de pensamento presentes mantêm uma relação dialógica e respeitosa, ainda que por imposição do Código de Ética e Decoro Parlamentar.
Mas, ainda assim, são enquadramentos que levam a ações não violentas nas discussões sobre temas que envolvem valores culturais, morais e de forte origem familiar, mesmo quando são discussões acaloradas.
Para esse trabalho, educativo, o aspecto pedagógico do legislativo é que se impõe exigindo que o pensamento sobre cada ideia se aclare e o processo de decisão sobre medidas, que, num primeiro momento, parecem absurda, vão tendo lugar.
Imagine o absurdo que pareceu para uma enorme fatia da população brasileira, quando em 1932 as mulheres adquiriram o direito ao voto.
Vamos lá seguindo a cantiga, mesmo que andando devagar, porque talvez o segredo de cumprir a vida seja mesmo compreender a marcha e ir tocando em frente, como cantou o violeiro…

Jackeline Marins é Mestranda em Políticas Sociais, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedagoga, especialista em Administração Pública, pela FGV-Rio, Especialista do Legislativo estadual e a colaboradora do BAIXADA POLÍTICA aos sábados.