por Jackeline Marins
Caetaneando…
És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho, tempo, tempo, tempo… vou te fazer um pedido…
Idos de 1989, a cara da minha filha linda nos braços e as lágrimas nos olhos. Acabava de ser aprovada a Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
Eu não estava lá. Nascia em mim a mãe, enquanto a cidadã-servidora ou servidora-cidadã, já vivia nas entranhas.
Ah! Tempo… Você voou…
Saí da Segurança e passei a secretariar a Comissão de Indicações Legislativas, isso foi em… 1991. Enquanto na Segurança, havia os antigos, mas éramos um grupo de recém chegados. Nas Comissões, juntava-se um grupo de servidores que cuidava do processo legislativo: Dona Mayta, Cleia, Bertha, Guilhermina e Olga, Hely, Selma e Marisa, Proença, Álvaro… Queridíssimos e inesquecíveis.
Colegiado, maioria, editais, atas, interstício regimental, voto qualificado, parecer do vencido, admissibilidade e mérito, audiências públicas… eram muitos termos novos.
Enquanto isso, pensava na saída de Tiradentes, o Inconfidente, para a forca e o esquartejamento, no tempo em que, naquele local, ficava a Cadeia Velha. Aos poucos aprendia um pouco mais e mais, sobre o trabalho e a história.
A Câmara dos Deputados, com seu brasão e monograma estampados nas cadeiras do plenário e das duas salas de reuniões das Comissões, a antiga cabine de votações, que, quando cheguei, no 3º ano da 4ª Legislatura, ainda funcionava para a apreciação das matérias que contavam com o voto secreto.
Para a Comissão de Indicações, vão as Indicações Legislativas ou os projetos de lei que precisam ser transformados em uma indicação. É assim, porque a iniciativa de legislar sobre alguns assuntos não é de competência do Legislativo.
Absolutamente contra aquilo que se aprende na escola sobre divisão de poderes: o Legislativo faz as leis; o Executivo dá cumprimentos às leis; e o Judiciário julga os desvios ou questionamentos que decorrem dessa relação do primeiro com o segundo. Ou seja: o Legislativo determina; o Executivo faz; e o Judiciário julga.
Simples como uma bola na marca do pênalti, que certamente vai entrar. Ou não… Caetaneando de novo!
Desde a Constituição de 1988, essas competências de legislar ficaram mais repartidas e há assuntos que são exclusivos do Executivo, exigindo que os parlamentares utilizem o tipo normativo examinado pela Comissão de Indicações e não os projetos de lei.
Nas indicações legislativas, os parlamentares apresentam sugestões de projetos de lei, solicitando que o ente competente, os encaminhe para a Alerj por meio de Mensagem. Quando não utilizam esse tipo normativo para os assuntos cuja competência de iniciativa seja de outro Poder, os projetos de lei apresentados acabam remetidos para a Comissão de Indicações, para que sejam convertidos no modelo correto.
De comissão em comissão, num movimento cíclico da alternância que é característico da Casa Legislativa, chegou a vez da desafiadora Comissão de Orçamento. Isso já era lá por 1995.
Essa comissão é responsável pela análise da prestação de contas do Executivo. E, as contas de Brizola seriam rejeitadas, embora a memória sobre os motivos para isso já tenha se apagado, a presença do ex-Governador para defender-se em audiência pública é inesquecível, especialmente, por seu incrível magnetismo pessoal.
Outra de suas atribuições é o recebimento de emendas ao Projeto de Lei do Plano Plurianual – PPA, ao Projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias – LDO, e ao Projeto de Lei Orçamentária – LOA. Eram mais de quatro mil emendas apresentadas a cada projeto do sistema orçamentário, recebidas manualmente e protocoladas em 4 vias em relógio idêntico ao do Plenário, mas aquele era especialmente utilizado para isso.
Embora já usássemos computadores de monitor escuro e letrinhas verdes para lançar algumas informações – os cobra (o pessoal de tecnologia, sabe exatamente do que falo, devo lhes dizer, aos risos), a Alerj passou então a informatizar as atividades orçamentárias, partindo de um sistema desenvolvido pelo Departamento de Informática da época, que evoluiu até chegarmos ao que existe hoje em funcionamento e que permite fazer todo o processo de apresentação das emendas, via intranet, sem necessidade de vias e mais vias carimbadas ou da presença física de assessores na Comissão, acabando com as filas e as senhas de papelzinho.
Da mesma forma, o controle dos projetos de lei era feito com base na leitura do Diário Oficial, de onde eram extraídos os dados sobre as proposições, depois anotados em fichas individuais. Passando ao que temos hoje com o sistema informatizado de controle das proposições.
Essa é uma história, da evolução do trabalho legislativo que aconteceu ali no Palácio Tiradentes, entre suas paredes, mosaicos e afrescos belíssimos, e que inclui também a criação da primeira página da Alerj na internet, ali pelo ano de 1997, mais ou menos.
Enquanto cada deputada ou deputado fez e faz a sua história pessoal na vivência do mandato, faz-se também a história do Parlamento, guardião da democracia e daquele lindo Palácio em estilo neoclássico, com presentes oferecidos ao Brasil por nações amigas (cristal bisotado, mármores, relógios). É um fazer-se, fazendo a instituição.
Enquanto isso, os sujeitos de direitos, donos da Casa do Povo, se puseram a manifestar contra tudo o que contrariava interesses coletivos, das formas mais diversas, através de movimentos organizados e sindicatos de trabalhadores: vi professores tomarem o Palácio Tiradentes e seu plenário, indignados com a retirada de direitos; vi policiais tomarem o Plenário, carregando o presidente da sessão nos braços, talvez não da forma mais amigável. Vi um manifestante descer de rapel da galeria do último andar, se lançando no vazio por uns segundos, até deslizar pela corda e chegar ao chão. Um susto!
Vi porta-bandeira de escola de samba bailando e rodopiando entre a mesa diretora e as bancadas; e o surf invadir o plenário com suas ondas de harmonia e serenidade para homenagear um deles.
Era 11 de setembro de 2001, estava no plenário, que hoje leva o nome Barbosa Lima Sobrinho, quando os aviões se chocaram contra as torres gêmeas de Manhatan. Deputados e servidores assombrados recebiam as notícias, enquanto a sessão não acabava; todos com um olho ali dentro e outro no mundo.
Vi manifestantes jogando coquetéis molotov contra o lindo Palácio, quebrando cristal francês bisotado, incendiando painéis inteiros de jacarandá da Bahia, pichando as paredes com seu acabamento de areia e óleo de baleia. Danificando o patrimônio histórico de todos nós, fazendo-nos chorar pelos danos ao “nosso” belo Palácio.
E, também, os divertidos banhos anuais que o Corpo de Bombeiros Militar dá na estátua do Tiradentes, à frente do Palácio, para prepará-lo para as comemorações de seu dia, a cada 21 de abril.
Vi a Alerj cercada duas vezes para conter o povo em votações de matérias mais delicadas e contrárias aos interesses de grandes grupos de atores sociais, uma na época das privatizações na Bolsa de Valores e outra mais recente.
Estive presente na posse dos governadores, em 1º de janeiro, trabalhando nas solenidades até pouco tempo atrás.
Ouvi o coro do Teatro Municipal encher o ambiente inteiro do Plenário e as Bandas da PMERJ e do Corpo de Bombeiros executar de maneira magistral os nossos hinos.
Dos 95 anos do Palácio Tiradentes, 32 passei ali, assistindo de alguma forma a aprovação de matérias como o Plano Estadual de Educação, a Lei de redistribuição do Salário-Educação para os municípios, a revisão do Regimento Interno; a criação da Escola do Legislativo…
Nada mais honroso, do que transformar o espaço de tantas memórias em um Museu da Democracia, especialmente nesse momento em que o sistema democrático brasileiro bem sofrendo ataques constantes.
Particularmente, amo museus. Mas esse será incrivelmente especial, pois as memórias maiores e mais importantes que guardará, em alguma medida, serão também minhas e dos que estiveram por ali, na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa do Estado da Guanabara ou, mais recentemente, na Alerj.
Depois do recesso retornaremos às atividades. Para alguns, ainda serão remotas por causa da pandemia, para outros, já imunizados contra a Covid-19, será presencial. Mas já estaremos na Casa nova, onde serão todos acomodados tranquilamente.
O velho Tiradentes não será mais adaptado às necessidades contemporâneas do trabalho. Poderá guardar toda a energia desprendida ali e suas belezas de Casa do Povo.
Mas, pensando bem, para onde quer que vá o Legislativo, lá estará a Casa do Povo.

Jackeline Marins é Mestranda em Políticas Sociais, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedagoga, especialista em Administração Pública, pela FGV-Rio, Especialista do Legislativo estadual e a colaboradora do BAIXADA POLÍTICA aos sábados.
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