Resistências e aprimoramentos

por Jackie Marins

Resistir é preciso. É fundamental mesmo.

Seres adultos, resistimos ao chamado da cama todos os dias pela manhã e nos levantamos, mesmo que o clima seja um convite à preguiça e à vontade de ficar só mais um pouquinho. À doçura do açúcar ou ao sabor do sal, que nos adoecem pelo excesso.

Crianças, resistimos aos ensinamentos educativos dos pais e das mães, para só depois, mais velhos, alcançarmos todo o amor presente no sentido de cada palavra preocupada que nos lançavam.

Neste momento, andamos resistindo aos abraços dos que amamos e queremos bem. Pois embora sejam terapêuticos, afetivamente curadores, tornaram-se, contraditoriamente, uma perigosa forma de contágio pandêmico.

E, homenageando o brilhante humorista que partiu para a outra esfera essa semana, lembramos que o riso é também uma forma de resistir.

Resistências estão presentes no legislativo também.

É o que faz olhar uma ideia em forma de projeto com olhos de ver seus diversos prismas e enxergar as possibilidades e consequências que decorrerão de sua aplicação, para então, após resistir, chegar à unanimidade de seus benefícios e conveniência. Ou não, no melhor estilo Caetano de ser.

Trata-se de um processo sinuoso, de interações e interferências em oportunidades diversas. Um sinal de saúde nas sociedades políticas do sistema democrático consolidado, em que opiniões contraditórias devem ser ouvidas e as soluções consideradas mais adequadas ou que melhor respondem à situação apresentada, é que devem ser adotadas.

Para além da mera opinião, o trabalho do legislativo envolve análise qualificada, que precisa ser permeada na dimensão exata da responsabilidade acerca das decisões tomadas, como parte de um debate cuidadoso de todas as questões em que deve manifestar-se.

Em certos momentos, essas decisões levam o parlamento para longe da opinião pública; e noutros, para longe de ações de outros poderes do estado, o que não é necessariamente um problema, se estiver na base da discordância o compromisso formal que as instituições legislativas devem ter com a defesa dos interesses públicos e da coletividade que representam.

Por questões assim é que a resistência está presente e o debate se faz em etapas, agindo como peneiras que separam os excessos e o que é necessário inscrever e formalizar nas iniciativas legais.

As discussões têm início no mandato que vai apresentar a proposição, com as assessorias, depois de pesquisar o assunto sobre o qual é objetivo legislar, nas reuniões internas, fazem o debate com o parlamentar, apresentando as vantagens e desvantagens trazidas pela vigência lei tratando de determinado aspecto da questão e optam pela apresentação do projeto.

Iniciada a tramitação da matéria no processo legislativo, cabe à Comissão de Constituição e Justiça a primeira análise, que se restringe à ótica constitucional, legal e/ou jurídica de cada matéria. E, dessa forma, seus pareceres sempre concluem pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade; pela legalidade ou ilegalidade; e pela juridicidade ou injuridicidade dos projetos.

Esses pareceres são sempre amparados em justificativas obrigatórias que apontam os ditames legais feridos em caso de pareceres negativos, lembrando que um parecer que conclua pela inconstitucionalidade e seja aprovado por unanimidade, implica remeter a proposição ao arquivo.

Com essa medida, o tempo legislativo ganha qualidade e disponibilidade para que sejam tratadas outras proposições mais conformes com a legislação e com a lei complementar que dispõe sobre a redação legislativa.

Considerada constitucional, legal ou em conformidade com o sistema jurídico, o projeto segue para as comissões seguintes, onde o mérito dessa proposta será analisado de acordo com a pertinência ao tema de cada colegiado.

A construção de tipos normativos conta com a normatização da técnica legislativa constante na Lei Complementar nº 95/1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona”.

A partir da Lei Complementar, a elaboração de leis em todo o país passou a contar com uma estrutura única, bem como a consolidação de todos os atos normativos também passou a ocorrer da mesma forma em todas as unidades da federação, suprimindo disparidades que existiam antes.

Uma das maiores contribuições da Lei Complementar nº 95/1998, foi o impedimento de uso da revogação genérica, que permitia permanecer em vigor atos normativos conflitantes por não haver o apontamento claro do que deveria ser revogado com a vigência da nova lei.

Trocando em miúdos, quer dizer que, não pode mais ser usado o artigo de vigência terminado com a formulação difusa para revogação. Ou seja, não se pode mais usar o formato: esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Assim como na esfera privada é preciso deixar claras as posições adotadas sobre determinadas questões, sob o risco de ver a vida pessoal invadida sem o devido consentimento, na esfera pública é preciso explicitar todas as medidas que devem ser adotadas ou, nesse caso, todos os diplomas legais a serem revogados.

O encadeamento das ideias, a organização da redação, a conexão entre artigos, parágrafos, incisos e alíneas, enfim, todos os cuidados que devem ser tomados para dar à proposição uma redação clara, precisa e uniforme estão lá.

Na passagem pelas comissões, por ocasião de sua discussão, podem ser oferecidas emendas que tem por objetivo aprimorar a ideia inicial, constituindo-se essas contribuições em sugestões de autoria do colegiado que lhes originou. E, em plenário, durante a primeira e a segunda discussão, também podem ser oferecidas emendas, nesse caso, de autoria dos parlamentares individualmente ou em conjunto.

Essas resistências presentes na vida democrática do parlamento são convertidas em oportunidade de contribuir com o aprimoramento das propostas, oferecendo à sociedade diplomas legais nos quais estão presentes as ideias da diversidade que ali se encontra representada.

Há casos também em que, após as discussões qualificadas, os autores têm oportunidade de ver outras faces do objeto da matéria, se convencem de que tal proposta não ser oportuna e, por isso, solicitam sua retirada definitiva.  

Isso acontece porque a oportunidade de mudança de opinião existe na casa da conversa e essa possibilidade está presente no Regimento Interno.

E fechando as ideias, como já disse Raul, prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Jackeline Marins é Mestranda em Políticas Sociais, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedagoga, especialista em Administração Pública, pela FGV-Rio, Especialista do Legislativo estadual e a colaboradora do BAIXADA POLÍTICA aos sábados.

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