Por Isabelle Brenda
Imaginem a incrível possibilidade de mudar de vida através do ensino. Hoje em dia, o conhecimento é tudo e ter a oportunidade de estudar em uma escola que já ensine uma profissão, além de ofertar uma excelente educação básica, é a resposta para o anseio de jovens que buscam uma melhor qualidade de vida. Essa é a realidade das escolas técnicas de nível médio espalhadas por todo o Brasil.
A Baixada Fluminense possui um elevado número de jovens que não estudam e nem trabalham, conhecidos como Nem-Nem, e ainda é carente de boas escolas públicas. No entanto, essas iniciativas do governo já existem e diversos alunos conseguem alcançar a sonhada mobilidade social através de uma educação de qualidade. Eu fui uma aluna de escola técnica e posso afirmar que esse tipo de educação foi fundamental para a minha trajetória!
Com 115 anos de história, a Educação Profissional e Tecnológica passou por muitas fases; vamos conhecê-las!
Marco de fundação oficial: 1909
O marco oficial do ensino técnico no Brasil é o ano de 1909, quando foram criadas as Escolas de Aprendizagem e Artífices por meio do decreto 7.566, de 23 de setembro. Por meio desse documento, o presidente Nilo Peçanha criou 19 escolas de aprendizagem de ofício, uma em cada estado do país. Nesse período, o Brasil passava por um surto de industrialização, e as greves de operários eram numerosas e articuladas, lideradas por correntes anarcossindicalistas. O ensino profissional era visto pelos governantes como um antídoto contra a “influência negativa” dessa corrente, trazida, sobretudo, por imigrantes europeus que constituíam grande parte do operariado brasileiro. Muitos imigrantes europeus, principalmente italianos e espanhóis, traziam ideias que podiam influenciar os proletários brasileiros a lutarem contra a exploração de seus patrões.
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As escolas surgiram, portanto, com a função disciplinadora e industrialista e passaram por algumas reestruturações: em 1941, as escolas de aprendizes artífices foram transformadas em Liceus Profissionais. Posteriormente, em 1969, durante a ditadura militar, tornaram-se Escolas Técnicas Federais. Por fim, em 1994, foi criado o Sistema Nacional de Educação Tecnológica.
Tempos coloniais
Ao olharmos para o passado, mais precisamente para o início da colonização do Brasil, identificamos que a força de trabalho formada por homens livres foi afastada do artesanato e manufatura, pois o trabalho manual era considerado uma atividade “menor”. Esse preconceito tem a ver com o contexto vivido na época, que era de escravidão, e os escravizados eram usados nesses trabalhos indesejados. Como certas ocupações não atraíam as pessoas, foram criados o trabalho e a aprendizagem compulsórios. Isso quer dizer que crianças e jovens que não tinham escolha deveriam aprender esses ofícios, o que fomentava ainda mais o preconceito contra o trabalho manual.
Assim surgiram as primeiras instituições para aprendizagem de ofícios ainda no período colonial. O Colégio das Fábricas foi criado e a sua função era abrigar órfãos vindos de Lisboa com a família real portuguesa. A partir de 1840, foram construídas Casas de Educandos e Artífices em algumas capitais e províncias, e seu principal objetivo era a “diminuição da criminalidade e da vagabundagem”. Posteriormente, um Decreto Imperial de 1854 criava estabelecimentos especiais para menores abandonados, os chamados “Asilos da Infância dos Meninos Desvalidos”.
Século XX: novo contexto
O contexto de surgimento das escolas técnicas era um pouco diferente. As primeiras décadas do século XX tinham como orientação vigente o industrialismo voltado para o mercado interno, e havia um esforço público para a organização da educação profissional. Era necessário fornecer operários qualificados para as indústrias recém-implantadas. Nessa época, o ensino industrial-manufatureiro cresceu mais que o ensino agrícola.
A iniciativa de Nilo Peçanha de criar 19 escolas de aprendizes e artífices era diferente de todas as outras até então apresentadas. Mas devemos admitir que a localização das escolas em capitais, exceto a do Rio de Janeiro, que se situava em Campos, era mais política do que econômica. Por exemplo, em Minas Gerais, a atividade manufatureira estava concentrada na cidade de Juiz de Fora, mas a escola de formação de operários estava na capital, Belo Horizonte. As escolas constituíam uma presença do governo federal nos estados, e os cargos eram ocupados por indicados dos políticos locais, com vagas para alunos a serem preenchidas com os encaminhados por eles.
De forma nada surpreendente, isso foi feito em troca de apoio político. As escolas não acompanhavam o movimento de industrialização do país. Apenas em 1919 o sistema das escolas de aprendizes e artífices assumiu contornos mais nítidos.
Nesse ano, a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz, que formava professores para as escolas de aprendizes, foi incorporada a esse sistema. Logo depois, na década de 20, esse modelo de escola viveu seu período áureo. A Câmara de Deputados, inclusive, promovia debates de expansão do ensino profissional para todos: pobres e ricos. Posteriormente, as Escolas de Aprendizes e Artífices entraram em decadência. O último ano de funcionamento foi 1942, quando esse sistema foi totalmente reformulado e os cursos passaram a ser reconhecidos pelo Ministério da Educação.
Ensino técnico na Ditadura do Estado Novo
Na ditadura do Estado Novo (1937-1945), houve uma ênfase no ensino profissional. A conjuntura econômica decorrente da Segunda Guerra Mundial fez com que as principais potências (EUA e Inglaterra) retraíssem, e o Brasil teve a oportunidade de aumentar suas exportações, o que provocou uma demanda por técnicos e, consequentemente, criou condições para a organização do ensino técnico industrial. Em 30 de janeiro de 1942, foi criada a Lei Orgânica do Ensino Industrial, através do decreto-lei nº 4.073, de iniciativa do então ministro da educação Gustavo Capanema. O documento transformava as Escolas de Aprendizes e Artífices em Escolas Industriais com nível pós-primário, passando a serem denominadas como Escolas Técnicas Federais. Nessa época, além das escolas industriais, foi criada outra modalidade de formação profissional: o Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários (atual SENAI). Com essas medidas, o ensino profissional se consolidou no Brasil, embora ainda continuasse a ser preconceituosamente considerado uma educação de segunda categoria.
Na década de 1950, houve uma mudança significativa que permitiu a equivalência entre a educação acadêmica e a profissional. A Lei Federal nº 1.076/50 possibilitou que aqueles que completassem cursos técnicos prosseguissem seus estudos em nível superior, desde que realizassem um exame sobre as disciplinas que não haviam sido abordadas. No entanto, a verdadeira equivalência, sem a exigência de exames, foi alcançada em 1961, com a promulgação da Lei Federal nº 4.024/61, que definiu as diretrizes e bases da educação no Brasil. Com essa lei, o ensino profissional, em relação à continuidade dos estudos, foi equiparado ao ensino acadêmico, mas o currículo do curso técnico industrial passou a ser composto apenas de disciplinas ligadas a cada especialidade.
Escolas técnicas durante o Regime Militar
Durante o regime militar (1964 a 1985), foram estabelecidos contratos entre o governo brasileiro e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) com o objetivo de expandir e aprimorar a educação técnica no país. Isso resultou em uma centralização do planejamento educacional. Em 1965, foi criada a Equipe de Planejamento do Ensino Médio (EPEM), cuja função era oferecer suporte na elaboração de planos de ensino. Em 1967, foi divulgado o Plano Estratégico de Desenvolvimento, que incluía, entre suas diretrizes, a formação profissional de nível médio e a qualificação da força de trabalho.
Em 1971, no período conhecido como “milagre econômico”, o governo brasileiro programou uma reforma no Ensino Médio que introduziu o ensino técnico profissionalizante. A Lei 5.692, de 11 de agosto, definiu as diretrizes para a educação de 1º e 2º graus e tornou obrigatório que todas as escolas oferecessem cursos profissionalizantes. Dessa forma, todo o ensino industrial passou a ser considerado de nível médio, com o intuito de eliminar a dualidade entre os cursos técnicos e acadêmicos, além de combater a percepção negativa associada à formação profissionalizante.
Com a fusão entre o ensino manual e o intelectual, todos os estudantes deveriam concluir o ensino médio com uma qualificação para o mercado de trabalho. Assim, a escola primária regular passou a ter a função de “selecionar” os alunos que poderiam prosseguir seus estudos. As instituições técnicas implementaram exames de seleção, o que fez com que a condição socioeconômica deixasse de ser um critério para a formação em determinadas profissões.
Mesmo com todos os esforços, os sistemas públicos de ensino não receberam o apoio necessário para a oferta de um ensino profissional de qualidade compatível com as exigências do desenvolvimento do país. Ao invés disso, houve a oferta de cursos mais fáceis de efetivar, como os cursos técnicos de contabilidade e magistério. A função atribuída ao novo ensino médio profissional foi a de conter a demanda crescente de vagas no ensino superior. Os estudantes que faziam os cursos técnicos saíam para o mercado de trabalho ao final do ensino médio, em uma espécie de “término voluntário” da escolarização. O objetivo implícito de tudo isso era diminuir a demanda por vagas nas universidades.
Período de redemocratização
Na década de 1990, diversas escolas técnicas foram convertidas em CEFETs (Centros Federais de Educação Tecnológica), seguindo o modelo já utilizado nas instituições do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Isso fez com que essas escolas fossem equiparadas, no contexto do ensino superior, aos centros universitários. Esse movimento estabeleceu as bases para o que viria a ser o “Sistema Nacional de Educação Tecnológica”, formalmente instituído em 1994.
Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) configura a identidade do ensino médio como uma etapa de consolidação da educação básica. A nova roupagem da escola técnica, cada vez mais acadêmica, foi um passo para acabar com a desigualdade no vestibular. Entre 1998 e 2003, a oferta de cursos técnicos integrados ao ensino médio ficou comprometida, e o governo federal até proibiu a construção de novas escolas técnicas federais.
Porém, em 2004, o Decreto nº 5.154, de 23 de julho, regulamentou a oferta do ensino técnico integrado, que foi reintroduzido. No ano seguinte, uma alteração na legislação que impedia a criação de novas escolas federais possibilitou a expansão da rede federal de educação técnica. Houve um aumento significativo nas matrículas na educação técnica em geral, englobando instituições federais, estaduais e privadas.
Ufa! Após esse breve histórico, podemos falar com propriedade sobre as Escolas Técnicas na Baixada Fluminense. Aqui, nos nossos municípios, há a presença de diversas escolas técnicas, sejam elas estaduais ou federais:
- IFRJ: São João de Meriti, Belford Roxo, Duque de Caxias, Mesquita, Nilópolis
- CEFET: Itaguaí e Nova Iguaçu
- FAETEC: unidades em toda a Baixada Fluminense
Destaque dessa vez vai para a Fábrica do Conhecimento em Paracambi
Quando pensamos em escola técnica na Baixada, logo vem à mente a Fábrica do Conhecimento em Paracambi, um complexo educacional com mais de 5 mil alunos, situado no bairro do Boqueirão. O complexo ocupa o edifício da antiga Companhia Têxtil Brasil Industrial. Na fábrica estão instalados a ETE Paracambi da Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), o Campus Paracambi da Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro (FAETERJ-Paracambi), o Campus Paracambi do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e o polo CEDERJ Paracambi da Fundação CECIERJ, além de escola de ballet, planetário, cinema e arte, e um núcleo da Escola de Música Villa-Lobos e Espaço de Ciência.
O edifício que abriga a Fábrica do Conhecimento tem história. Começou a ser construído em 1870 para abrigar as instalações da Cia Têxtil Brasil Industrial, em uma época em que o Brasil só produzia tecidos grosseiros para serem utilizados como bolsa ou vestimentas de escravizados. A fábrica foi desativada em 1984 e o edifício foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) no ano seguinte, posteriormente adquirido pela Prefeitura de Paracambi em 2001 para ser transformado na Fábrica do Conhecimento.
Iniciativas como essas são muito necessárias na Baixada Fluminense, uma região tão carente de boas escolas e incentivo à educação. Uma carreira promissora pode começar em uma escola técnica! Você já conhecia essa história?
Referência:
LIMA, Clarissa C; ALVES, Jacqueline Magalhães:Ensino técnico no Brasil: breve histórico. Educ.&Tecnol. | Belo Horizonte | v. 20 | n. 3 | p. 26-36 | set./dez. 2015 |
Isabelle Brenda é nascida e criada em Duque de Caxias. Formada em História pela UFRJ, pesquisa sobre História da Imprensa no Rio de Janeiro no século XX. Atualmente, trabalha como supervisora de pesquisa no IBGE.
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