por Jackie Marins
Ouvindo Beto Guedes e seu sal da terra, penso que ele tem razão e é preciso mesmo juntar todo mundo para construir a vida nova e merecer quem vem depois…
Que delícia pensar nessa terra de encantos, desafios e preguiças… Terra que pede tempo… Para um tempo que já nem há… Divagações…
Um pensamento leva a outro e vem a pergunta sobre como medir a qualidade do trabalho no legislativo ao longo do tempo?
Em termos de produção, como em qualquer outro setor, pode-se pensar, pelo menos, em duas formas para fazer a análise do que, do quanto, de que forma os mandatos produzem na duração das sessões legislativas.
Podemos realizar uma análise da produção baseada em uma abordagem quantitativa e verificar numericamente (com bastante simplicidade até), quantas proposições foram apresentadas ao longo das legislaturas por seus integrantes. Teremos assim os campeões de produção. Aparecendo em primeiro lugar, quem tenha apresentado mais iniciativas no total, somando-se a quantidade de cada um dos tipos normativos possíveis apresentados.
Nessa abordagem, verifica-se o ponto de partida. Pode-se observar quem tem mais ideias e lhes dá mais concretude, transpondo-as para o papel porque lhes parecem objetos adequados para a elaboração legislativa.
Entrarão na conta, sem a transversalidade de outros critérios, o total de projetos de lei, projetos de resolução, projetos de lei complementar ou de decreto legislativo, indicações legislativas, indicações simples, moções e propostas de emendas constitucionais, cujos números são considerados como constitutivos de uma produção forte.
Podemos também verificar numericamente, a quantidade de leis de autoria de cada parlamentar que foi aprovada, separadas por sessão legislativa ou por legislatura. Essa análise considera apenas as proposições que foram finalizadas e foram transformadas no tipo normativo a que se destinava o projeto.
Nenhuma outra atividade parlamentar, dentre as que são tão importantes quanto a função legiferante são consideradas. Participação em reuniões de comissão ou em eventos externos nos quais são discutidas políticas públicas, que são atribuição do parlamento discutir, formular, avaliar e aprovar, fica fora do cômputo de produtividade.
Se adotarmos uma abordagem qualitativa, do ponto de vista da constitucionalidade e da conclusão do processo legislativo, teremos um baixo índice de produtividade, tendo em vista que o alto número de proposições que leva mais de uma legislatura para finalizar a tramitação.
Por essa razão a conciliação de uma abordagem quantitativa associada à qualitativa, que considere também outros critérios além da simples apresentação numérica de iniciativas levará a uma ideia de produtividade mais próxima da real atividade realizada em cada mandato.
Numa perspectiva contextual há que se considerar o fato de haver bandeiras defendidas em alguns mandatos que são históricas e constitutivas de longas disputas, cuja solução é sistêmica e depende de transformações na sociedade em que se insere a atividade parlamentar, para além da apresentação de propostas de leis ainda que se trate das que são capazes de mitigar seus danos.
É, por exemplo, o caso da defesa da qualidade da educação básica oferecida pela rede pública do Estado do Rio de Janeiro ou da distribuição de água nos estados localizados no sertão nordestino.
Estes são alguns dos temas complexos, que envolvem um longo caminho de discussões e apresentação de propostas que provavelmente não serão finalizadas em uma única etapa legislativa. Ou que possa haver uma única proposição que vá esgotar o assunto na diversidade de questões a serem abrangidas pela política pública.
Esse tempo de pandemia, exigiu da Casa Legislativa a adoção dos mesmos cuidados esperados que todas as outras áreas da vida produtiva global precisaram tomar, e em tempos de sessões plenárias e reuniões de comissões remotas, foram aprovados projetos em processo legislativo abreviado, por estarem relacionados com medidas direcionadas ao enfrentamento da pandemia.
Todos os projetos analisados e aprovados durante o período declarado de calamidade em virtude do coronavírus tiveram sua tramitação automaticamente transformada do regime de ordinária, para o regime de urgência.
Por razão dessa urgência, no que diz respeito à mitigação dos efeitos diretos e indiretos da Covid-19, a produção legislativa desse momento foi intensa e de resultados que impactaram a sociedade de imediato. Destacando-se que isso ocorreu em meio a uma série de turbulências político-administrativas em nível municipal, estadual e federal.
Voltando à produtividade legislativa, nas comissões técnicas, a capacidade de produção é verificada em termos de reuniões realizadas para discussão de assuntos específicos em audiências públicas e pareceres apreciados nas reuniões técnicas.
Para esse trabalho ter qualidade real, que esteja conectado às necessidades da coletividade a que se destina e/ou seja relevante em termos de administração pública, deve ser mesmo feito dentro de todas as etapas do processo legislativo.
Sistema feito de diversas etapas e que envolve pesquisa e análise prévia do tema proposto, momento em que serão levantados dados relativos à população e território abrangido, impacto orçamentário, que vai permitir verificar se a medida é a mais adequada para o enfrentamento da situação em termos de custo-benefício. Entre outras variáveis importantes nesse caminho.
Uma análise prévia bem elaborada dá base para a redação legislativa, mas também para a sustentação das falas em defesa daquela ideia, o que se fará necessário na justificativa que acompanha a proposição, no posicionamento nas comissões incumbidas de analisar a matéria e na discussão em plenário, para o convencimento da maioria dos parlamentares, condição primordial para aprovação, e na ocasião da derrubada do veto, caso o executivo não concorde em sancionar a matéria aprovada no legislativo.
Lembrando sempre que estamos falando de políticas públicas, ou seja, das medidas formuladas e destinadas à sociedade do estado, no caso de uma Assembleia Legislativa, ou do município, falando da Câmara de Vereadores.
Apresentado o projeto, seu caminho segue sucessivamente pelas comissões permanentes com as quais o tema esteja relacionado, começando pela Comissão de Constituição e Justiça e seguindo pelas temáticas, de mérito, que devem opinar favorável ou contrariamente a ele.
Para que essa análise seja bem feita, uma proposição pode ser baixada em diligência para que instituições ou autoridades possam manifestar opinião sobre a conveniência de sua aprovação ou não. Podem ser realizadas audiências públicas destinadas a ouvir representantes da sociedade civil, para que estes também se posicionem. Fechando um ciclo de discussões após o que, os deputados integrantes de cada colegiado devem manifestar seus votos.
Vencida essa etapa, ou seja, depois da análise feita por todas as comissões, o projeto é submetido ao pleno da Casa Legislativa, ou seja, ao plenário. Colegiado que é soberano, por contar com participação da integralidade dos representantes eleitos.
Ali, a proposição será discutida com a participação de todos os deputados, para depois ser votada, fechando-se o ciclo da primeira discussão. Aprovado nessa etapa, retorna ao plenário em segunda discussão, ocasião em que passará pelo duplo processo (discussão e votação) novamente.
Sempre que estiver em discussão, uma matéria poderá ser emendada pelos outros deputados, com o objetivo de aprimorar sua redação e, isso ocorrendo, o projeto retorna às mesmas comissões para que estas se manifestem sobre cada emenda.
O caminhar de um projeto no legislativo é assim um processo de idas e vindas, em que o objetivo primeiro deve ser a elaboração de um tipo normativo pensado em sua amplitude e complexidade para dar conta da realidade social a qual se destina.
E ao falarmos em produtividade legislativa, precisamos considerar esse caminho mais longo e mais cheio de momentos de discussão, pois é preferível ao açodamento e encurtamento do processo de pensar uma iniciativa legal, porque é o que permite fazer melhor previsão da eventual existência de efeito colateral indesejado para a sociedade ou para o estado.
Proposições bem elaboradas surtem efeitos que se destacam e, em algumas situações, ganham o nome de seu autor ou de quem as inspirou, como é o caso da Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, destinada a combater a violência doméstica e que assim foi denominada em homenagem à mulher que, vítima desse tipo de violência, militou pela sua elaboração e aprovação.
A produtividade legislativa deve ser uma preocupação constante de nossa sociedade em relação aos representantes que foram eleitos para participar do processo decisório em seu nome. Mas é preciso considerar, para além dos números, o tempo empreendido nas discussões para a elaboração ou o aprimoramento das ideias que animam as leis.
É, essa qualidade, o sal da terra legislativa e que deve temperar as análises de produtividade que se apresentem indo muito além da frieza dos números.

Jackeline Marins é Mestranda em Políticas Sociais, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedagoga, especialista em Administração Pública, pela FGV-Rio, Especialista do Legislativo estadual e a colaboradora do BAIXADA POLÍTICA aos sábados.