Por Profª Drª Tania Amaro
Baixada Fluminense ~ região que vem se afirmando ao longo dos anos, cuja ocupação colonial está estreitamente relacionada com a fundação da cidade do Rio de Janeiro no ano de 1565, esta que serviu de base para a expulsão dos franceses que haviam ocupado a baía de Guanabara no século XVI.
A expressão Baixada Fluminense é polissêmica e depende do interesse dos pesquisadores, da escala de observação, da atuação das instituições ou grupos políticos. A expressão pode assumir configurações geográficas, econômicas, políticas e culturais diferenciadas.
Segundo o dicionário Aurélio, baixada significa “planície entre montanhas”, já fluminense origina-se do latim flumen, que significa “rio”; esta denominação se aproxima da de “iguassu” que, na língua tupi, compreende-se como “muita água”. “Iguassu” já era utilizada pelos nativos da região antes da chegada dos europeus e, provavelmente, pelo Rio Iguaçu contar, em seu entorno, com muitas áreas alagadiças.
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De acordo com o CEPERJ (2021), sob o ponto de vista geográfico, a expressão Baixada Fluminense, muito comum no Estado do Rio de Janeiro, corresponde a todas as superfícies planas e de baixas altitudes que se estendem desde a linha de costa até as falésias dos Tabuleiros (no Norte Fluminense) e até as encostas das Colinas e Maciços Costeiros (que antecedem, na direção do interior, as escarpas da Serra do Mar), além de acompanharem os vales fluviais que penetram muitos quilômetros para o interior. São planícies – ou baixadas – que recebem inúmeras denominações locais: Baixada dos Goytacazes ou Campista, Baixada dos Rios Macaé e São João, Baixada da Guanabara e Baixada de Sepetiba.
Aproximando-se destas concepções, a Baixada Fluminense seria uma região de terras baixas, planas, recortadas por rios e, em boa parte, alagadiças, compreendida entre as cidades de Campos, no extremo norte do Estado do Rio de Janeiro, e Itaguaí. Esta interpretação está ligada às análises históricas que tratam da realidade regional até o século XIX, e aproxima-se de um conceito muito utilizado pelos geógrafos, o de Recôncavo Guanabarino: área de terras baixas entre a Serra do Mar e a Baía de Guanabara, estendendo-se de São Gonçalo a Nova Iguaçu.
Atualmente, a denominação Baixada Fluminense designa uma série de municípios que, de acordo com o objetivo das pesquisas, pode relacioná-la a uma área mais próxima ao entorno da Baía de Guanabara ou ainda, a uma extensão que abranja municípios mais distantes. De acordo com o geógrafo Rafael Oliveira, a Baixada Fluminense é uma região que sempre se apresentou com diversos limites e distintas interpretações que, na verdade, foram sendo modificadas de acordo com as próprias mudanças espaciais que se sucederam, gerando, em muitos casos, algumas confusões, pois, dependendo dos interesses, tais demarcações se expandem ou, então se retraem.
Outros estudos apontam para um conjunto de 11 a 13 municípios, utilizando recortes de projetos e pesquisas com foco na região e ainda, de acordo com Oliveira, outra noção de Baixada Fluminense que teria sido, talvez, a mais recorrente foi estabelecida pela [antiga] Secretaria de Desenvolvimento da Baixada Fluminense [ou Secretaria de Desenvolvimento da Baixada e Região Metropolitana]. Esta secretaria considera Baixada Fluminense como o agrupamento de 13 municípios, que apresentam diversas carências, desde a problemática habitacional, passando pelo mandonismo local, até a violência: Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Belford Roxo, Mesquita, Japeri, Queimados, Magé, Guapimirim, Itaguaí, Paracambi e Seropédica.

Já para a historiadora Lucia Silva, a Baixada Fluminense tem sua história ligada à ocupação da região no século XX, ocupação essa que não possui uma relação direta com a antiga dinâmica do Recôncavo. Para ela, essa nova história tem lastro espacial e afetivo com o nordeste, a zona da Mata Mineira, o Vale do Paraíba e a própria cidade do Rio, através de uma população heterogênea que não pode ser entendida sem a memória do cativeiro e a da fome.
A dinâmica antiga à qual Silva se refere está associada à expulsão dos franceses no século XVI e ao desenvolvimento das áreas do Recôncavo da Guanabara a partir do método de doação de sesmarias, lotes extensos de terras concedidos pela Coroa portuguesa àqueles que deveriam ocupar esta parte da colônia e iniciar o processo de produção que atendesse às demandas da metrópole. Neste processo, foi por meio dos rios que cortavam a região do Recôncavo da Guanabara – Meriti, Sarapuí, Iguaçu, Inhomirim, Magé, Suruí, entre outros –, que a ocupação portuguesa foi se implementando e dezenas de engenhos de açúcar, capelas e povoados foram surgindo.
Um dos agraciados foi Cristóvão Monteiro que recebeu terras, em 1565, às margens do rio Iguaçu, que formaram a Fazenda do Iguaçu, sendo a mesma, mais tarde, adquirida pela Ordem de São Bento, tornando-se então a mais antiga e importante fazenda localizada na região que hoje constitui o município de Duque de Caxias. A atividade econômica que incentivou a ocupação da região foi a do cultivo da cana-de-açúcar. O milho, o feijão, a mandioca e o arroz tornaram-se, também, importantes produtos durante esse período e abasteceram a cidade do Rio de Janeiro, assim como a lenha dali retirada.
A região sempre teve uma posição estratégia e uma relação estreita e significativa com a cidade do Rio de Janeiro, sendo área de produção de alimentos para a urbe carioca, assim como, também, área de passagem do ouro que vinha das Minas Gerais no século XVIII, em direção ao seu porto.
Com a necessidade do escoamento do ouro e o abastecimento da província mineira, a Baixada da Guanabara passou a ter importância estratégica, pois se transformou em área obrigatória de passagem, por conta de seus rios, bem como pelas estradas que foram abertas através das serras para que o trânsito de mercadorias se desenvolvesse melhor. O “Caminho Novo” ou “do Pilar”, aberto devido às necessidades oriundas da mineração, entre elas a necessidade de um caminho rápido, econômico e seguro, que ligasse o Rio de Janeiro à região mineira, intensificou as relações daquela cidade com os portos da Estrela, Pilar e Iguaçu, promovendo a interação através da navegação no interior da baía.
Durante o século XVIII, eram três os caminhos oficialmente reconhecidos entre o Rio de Janeiro, (re)cortando a Baixada da Guanabara, e a região das Gerais. Entre 1699 e 1704, foi aberto o Caminho Novo do Pilar; no ano de 1724, o Caminho Novo de Inhomirim; e, em 1728; o Caminho Novo do Tinguá. Todos esses caminhos, depois de subir a serra do Mar, se encontravam em Santo Antônio da Encruzilhada, pouco antes de atingir a margem direita do rio Paraíba. A designação “novo” era aplicada a qualquer estrada que viesse a ser aberta, assim existiam vários “caminhos novos” ao mesmo tempo.
Ainda, no século XIX, as freguesias da Baixada da Guanabara intensificaram ainda mais suas relações com o Rio de Janeiro, abastecendo a então capital com alimentos e madeira e passando a armazenar e escoar a produção do café do Vale do Paraíba, sendo também áreas de investimento do capital privado alocado na abertura de estradas e na construção da Estrada de Ferro Barão de Mauá (1854), principais vias de circulação de mercadorias do eixo Minas Gerais – Rio de Janeiro.
Dessa forma, não podemos deixar de citar a inauguração da primeira estrada de ferro construída no Brasil, no ano de 1854, quando, no dia 30 de abril, o Barão de Mauá concretizava projeto, que ligando o porto de Mauá – Estação da Guia de Pacobaíba à região de Fragoso, em Raiz da Serra, na subida para Petrópolis, iniciaria a era ferroviária no Brasil e tornar-se-ia um marco histórico do desenvolvimento urbano na região do recôncavo da baía de Guanabara. Esse trecho da estrada de ferro era apenas o início de um projeto mais amplo, que pretendia reduzir o tempo que se gastava com o escoamento da produção cafeeira do interior para o porto do Rio de Janeiro. Esta ferrovia provocou um impacto significativo no Rio de Janeiro, mas, sobretudo, na região da Baixada da Guanabara. Depois dela, outras estradas de ferro foram inauguradas, como a Pedro II (1858) e a The Leopoldina Railway Company (1886), esta cortando a área de Merity, atual município de Duque de Caxias.
A partir daquele momento, as estradas de ferro tornaram-se um marco histórico da ocupação urbana, dando novo perfil à região. Foi o início do fim dos portos fluviais, da navegação pelos rios e dos caminhos dos tropeiros, modificando por completo as relações comerciais e a ocupação do solo. Foi um momento de decadência em várias áreas por onde o trem não passava, mas foi também o começo do processo de surgimento de vilas e povoados que se organizaram ao redor das estações ferroviárias, origem de muitos bairros e de cidades atuais da Baixada Fluminense. Este marco constitui-se, então, como referência para o DIA DA BAIXADA FLUMINENSE – 30 de abril.
Assim, pode-se afirmar que a Baixada da Guanabara, ao longo dos séculos, constituiu-se como uma importante região de passagem entre o interior e o litoral. Esta posição estratégica contribuiu decisivamente para transformações tanto na cidade do Rio de Janeiro como na própria região, revelando uma estreita interdependência econômica, social e cultural.
A partir das décadas que sucederam a II Guerra Mundial, os municípios que integram a Baixada tiveram um crescimento demográfico acentuado, que foi resultado de processos migratórios de diversas áreas do Brasil e de tantas outras nações do mundo. Esta população tão diversamente heterogênea é composta por povos de diversas origens e identidades culturais, formando um mosaico riquíssimo de tendências que se manifestam nos comportamentos sociais, nas artes, na política, na economia e nos mais diversos campos da vida em sociedade.
Apesar de envolvida com enormes conflitos ambientais devido a um desenvolvimento urbano desordenado, com problemas de poluição e violência, a Baixada tem hoje um crescimento econômico acentuado, com a instalação de indústrias e arrecadação de impostos, o que deve ser olhado com um viés crítico. A BAIXADA se afirmou como a segunda mais importante região do Estado e uma das mais importantes microrregiões do País. Com uma população de quase 4 milhões de habitantes, possui vasto patrimônio histórico e cultural, além de ser uma região privilegiada por seus recursos naturais.

A professora Tania Amaro é Diretora do Instituto Histórico da Câmara Municipal de Duque de Caxias. Tem pós-doutorado em História pela UFRRJ; é Doutora em Humanidades, Culturas e Artes e Mestre em Letras e Ciências Humanas pela Unigranrio; e Licenciada e Bacharel em História pela UERJ, com especialização em História das Relações Internacionais pela mesma Universidade. É Docente da rede estadual de ensino e autora de vários artigos e livros relacionados à História Local e Regional. Integra como historiadora a Comissão para os Bens Culturais e Artes Sacras da Diocese de Duque de Caxias.