por Jackie Marins
Sabe a galera do bairro? A turma que brincava na rua, numa liberdade impensada para a infância dos dias atuais.
As crianças de um tempo sem tela, para as quais, mesmo que houvesse brinquedos, a interação real era a brincadeira principal.
Primeiro todos juntos, felizes por mais um dia de prazeroso encontro, catando mamonas. Depois, divididos em times, começava a contagem para dar tempo de todos se esconderem. Aí então a “guerra” começava.
Ao final, o corpo marcado pelos tiros certeiros das mamonas arremessadas com atiradeiras, o saldo era de uns mais doloridos que outros, e todos, amigos novamente, relembravam as peripécias e a bravura em cada “tiro” tomado, como se fosse uma colagem de figurinhas nos álbuns para a memória.
Na arena política, estão todos divididos pelos matizes do ideário orientador das bandeiras que defendem e da forma como as defendem, pelos partidos políticos que integram, pela visão de mundo sob a qual se movimentam.
Salutar na democracia, a convivência dos diferentes resulta em discussões acaloradas e intensas, mas, de acordo com os princípios que vigoram nesse sistema político, ao final, por absoluto respeito democrático, devem tornar a conviver no espaço institucional.
Estamos tratando aqui de representantes de uma sociedade que, além de ser assinalada por imensa desigualdade, não é composta por indivíduos todos iguais. Ao contrário, como nas imensas florestas, é feita de uma diversidade tão grande, que se pode classificar como uma verdadeira sociodiversidade.
Somos múltiplos e diversos em posição social, possibilidades econômicas, gênero, raça, cor de pele, etnia, opção religiosa, opção sexual, espectro político, procedência de estado nacional, com deficiências ou não… seres únicos que, no entanto, compartilham não só a humanidade, mas também uma cidadania complexa comum a todos.
Essa sociodiversidade é também constitutiva do parlamento, onde as representações delegadas aos legisladores pelos votantes dessa sociedade diversa, se apresentam na estruturação de forças decisórias dentro da instituição.
Separados em grupos partidários, os integrantes de cada um dos partidos se organizam em bancadas e escolhem lideranças responsáveis por falar internamente em nome dos partidos e por transmitirem o posicionamento relativo a cada proposição ou medida em análise, de acordo com as decisões da maioria de seus integrantes, deliberadas em reuniões prévias.
São os líderes ou os vice-líderes que, durante as discussões fazem a defesa da linha política a ser adotada, encaminham a votação e defendem o voto em nome da bancada, além de terem a responsabilidade de comunicar e indicar à mesa diretora dos trabalhos legislativos os nomes de seus integrantes, bem como as alterações que vierem a acontecer.
Bancadas numericamente maiores, contam com maior poder decisório, que se traduz em número de votos. Mas, as bancadas com menos integrantes também dispõem de instrumentos regimentais que as permita mitigar a assimetria numérica, ganhando mais força nas discussões e votações.
A constituição de blocos parlamentares é uma dessas alternativas.
É quando dois ou mais partidos se reúnem em um bloco, com uma liderança comum a todos, que pode perdurar durante toda a legislatura ou também se desfazer por qualquer motivo, ao longo dela.
Se por um lado a composição de blocos parlamentares implica redução do número de líderes, visto que não haverá mais um líder para cada partido que o integra, por outro lado, os blocos tem impacto na composição das comissões, por exemplo, que deve obedecer ao princípio da proporcionalidade partidária na distribuição das cadeiras.
Há ainda as frentes parlamentares, que são grupos suprapartidários compostos por deputados que, comungando a defesa de determinado assunto, reúnem-se e atuam sob a presidência do primeiro signatário do requerimento de constituição.
Esse tipo de grupo parlamentar, pode realizar estudos para levantamentos de dados sobre o tema que defendem, pode reunir-se para definir estratégias de ação política e o posicionamento em votações de matérias cuja temática seja relacionada ao assunto de que se ocupam.
Esses são alguns instrumentos do processo legislativo dentro de uma abordagem democrática de tomada de decisões sobre políticas públicas, regimentalmente definidos com o objetivo de reduzir o impacto que tem a discrepância de forças no embate político em que o processo decisório se dá.
Além dessas regras escritas, existem possibilidades que decorrem de fatores inerentes ao processo, em que os resultados desejados são alcançados não por ação direta, mas como consequência de atitudes tomadas durante o processo.
Esse é o caso das obstruções, que não encontram definição regimental direta, no entanto decorrem do uso de outros dispositivos relacionados ao processo de votação.
O artigo 75 do Regimento Interno da Alerj, no parágrafo 4º, diz que, depois de encerrada a discussão, a votação só poderá ter início quando estiver presente a maioria absoluta dos deputados e, no parágrafo 6º, está previsto que inexistindo quórum a votação deverá ser adiada.
Assim, se um número suficiente de deputados se retira de plenário durante a votação de matéria contrária aos interesses da bandeira defendida pela frente ou pelo bloco parlamentar, por exemplo, imaginando-se o caso de uma frente parlamentar robusta ou um bloco partidário consistente, ou mesmo um grupo grande que comunga o pensamento embora não faça parte nem do bloco nem da frente, aquela votação é automaticamente adiada porque “caiu” o quórum.
Essa atitude mata a proposição indesejada? Não. Porque estamos falando de um processo. Nesse caso, o processo legislativo, em que se sucede uma sequência de pequenas etapas que culminarão, ao final, com a aprovação ou rejeição da matéria.
Mas então de que vale toda a mobilização exigida para que essa estratégia dê certo?
Ora, é a oportunidade de usar o poder de convencimento baseado na apresentação de fatos novos não considerados anteriormente, dados numéricos ou informações ainda não veiculadas em diálogos com os pares.
E, também, é o momento de ganhar espaço pela mobilização de um número grande de pessoas ou da opinião pública, usando-se racionalmente a pressão social para a conquista do resultado almejado em relação à causa defendida.
Esse tempo a mais, permite que se realizem audiências públicas destinadas a ouvir especialistas no assunto, representações da sociedade civil envolvidos com o tema, pessoas afetadas pelas medidas… No campo interno, podem ser feitas reuniões de líderes e toda sorte de encontros em que o exercício do diálogo, tão próprio do legislativo, abra aos pares a possibilidade de compreensão do que se pretende demonstrar.
Os blocos partidários e as frentes parlamentares são aproximações de grupos afins, que reúnem suas forças individuais na tentativa de constituir um todo mais homogêneo com mais peso e força empregada na conquista de espaço de ação e de vitórias na aprovação ou rejeição de matérias.
Pensar nessa reunião de forças necessária para superação das dificuldades para conquistar espaço no Legislativo, remete a Clarisse Lispector e sua célebre frase: “Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhando, com certeza vai mais longe”.
E não nos deixemos esquecer que, como depois da guerra de mamonas, os rivais não são necessariamente inimigos e, ao final, todos retornam para o colegiado pleno e o exercício do mandato democraticamente concedido.

Jackeline Marins é Mestranda em Políticas Sociais, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedagoga, especialista em Administração Pública, pela FGV-Rio, Especialista do Legislativo estadual e a colaboradora do BAIXADA POLÍTICA aos sábados.