História de Mesquita, a caçula da Baixada Fluminense

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A cidade de Mesquita, na Baixada Fluminense, tem uma trajetória singular que se inicia muito antes de sua recente emancipação. Por volta de 500 anos atrás, o território era habitado pelos índios Jacutingas, nome dado pelos colonizadores aos indígenas locais. Acredita-se que esse apelido surgiu devido ao uso de penas de jacutinga (ave semelhante à galinha) nos adornos indígenas. Com o avanço colonial, os Jacutingas participaram da Confederação dos Tamoios, aliança de vários povos nativos contra a violência portuguesa, o que resultou em confrontos e epidemias que quase exterminaram essas populações. O legado indígena persiste no nome do bairro Jacutinga, única área na Baixada que ainda guarda essa memória.

Nos séculos XVII e XVIII, a região se integrou ao ciclo do açúcar. Em 1657 foi criada a Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, marco administrativo colonial. Por volta de 1692, o capitão Manoel Corrêa Vasques fundou o Engenho da Cachoeira nas encostas do Maciço do Gericinó. A abundância de quedas d’água gerou topônimos como Rio da Cachoeira e Serra da Cachoeira, e a fazenda ao redor ficou conhecida como Fazenda da Cachoeira. Esse engenho produzia açúcar e aguardente com mão de obra escravizada, e em torno dele desenvolveu-se um ponto de parada de tropeiros – o Pouso da Cachoeira – no antigo caminho entre o Rio de Janeiro e as Minas Gerais. Relatos da época mencionam diversas fazendas cultivando cana-de-açúcar, mandioca, café, milho e operando olarias, além de pelo menos onze engenhos de açúcar e um de aguardente nas redondezas.

A propriedade da Cachoeira passou por vários donos até chegar, no século XIX, às mãos de Jerônimo José de Mesquita, que foi agraciado pelo imperador dom Pedro II com o título de Barão de Mesquita. Mais tarde, seu filho Jerônimo Roberto de Mesquita tornou-se o segundo Barão de Mesquita, herdando as terras locais. O nome “Mesquita” dado à região é uma referência direta a essa família influente e suas fazendas, que ocupavam a área central do atual município. A chegada da Estrada de Ferro Central do Brasil, em 1884, mudou novamente a identidade local: a estação inaugurada na Fazenda da Cachoeira recebeu o nome de Estação Barão de Mesquita, e aos poucos o povoado passou a ser chamado também de Mesquita, substituindo o antigo topônimo Cachoeira. A ferrovia acelerou transformações econômica. No final do século XIX, com a crise do açúcar e a Abolição da Escravatura (1888), as grandes fazendas foram fragmentadas. As terras do barão foram vendidas e convertidas em chácaras de cultivo de laranja, atividade que floresceu nas primeiras décadas do século XX. Durante muitos anos, vastos laranjais dominaram a paisagem mesquitense, acompanhados de olarias que aproveitavam o barro abundante nas várzeas.

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Por volta de 1940, Mesquita ainda era uma zona semi-rural com cerca de 9 mil moradores. A decadência da citricultura após WWII levou os proprietários a lotearem as antigas chácaras, iniciando a conversão da área rural em bairros residenciais. Nos anos 1940-50, a população cresceu rapidamente (passando de 9 mil a quase 29 mil em apenas dez anos), e o município entrou em fase de industrialização. Empresas de grande porte instalaram-se no território, gerando empregos e mudando o perfil econômico local: a siderúrgica Brasferro, a metalúrgica IBT, a fábrica de guarda-chuvas PUMAR e a Sonarec (indústria de vagões ferroviários) estão entre as principais plantas industriais que operaram em Mesquita no pós-guerra. Ao mesmo tempo, Mesquita ainda integrava o município de Nova Iguaçu como seu 5º distrito. 

A partir dos anos 1950 emergiu um forte movimento emancipacionista, alimentado pelo sentimento de identidade local e busca por autonomia administrativa. Após tentativas frustradas e um primeiro plebiscito em 1987, finalmente em 1999 Mesquita conquistou sua emancipação político-administrativa. Em 25 de setembro de 1999, o então governador Anthony Garotinho sancionou a lei estadual nº 3.253 que criou oficialmente o município de Mesquita, desmembrando-o de Nova Iguaçu. Mesquita se tornou assim uma das cidades mais jovens do Brasil naquele momento, conhecida como “a caçula da Baixada Fluminense”, e sua instalação se deu em 1º de janeiro de 2001, com José Montes Paixão como primeiro prefeito eleito. Desde então, em apenas duas décadas de existência própria, Mesquita vem escrevendo novos capítulos de sua história, equilibrando desenvolvimento urbano, desafios sociais e a preservação de sua rica memória cultural.

Personagens históricos importantes

A formação e o desenvolvimento de Mesquita foram marcados pela atuação de figuras notáveis, desde nobres do período imperial até líderes comunitários do século XX. No século XIX, destaca-se Jerônimo José de Mesquita, o 1º Barão de Mesquita, cujas posses agrícolas deram origem ao nome da cidade. Vindo de uma influente família luso-brasileira, o barão concentrou grandes terras na região e foi homenageado com a parada ferroviária batizada com seu sobrenome, fator que imortalizou “Mesquita” como designação local. Seu herdeiro, Jerônimo Roberto de Mesquita, 2º Barão de Mesquita, manteve a propriedade até a crise agrária do final do século XIX. 

Outra figura de relevo nas origens mesquitenses é o próprio Manoel Corrêa Vasques, capitão português fundador do engenho da Cachoeira no final do século XVII, que ergueu também a primeira capela católica das redondezas (Nossa Senhora da Conceição) em 1731. 

Avançando ao século XX, Mesquita foi moldada por empresários visionários que impulsionaram sua economia. Um nome de destaque é Wolf White Watkins, imigrante nascido na Rússia que se estabeleceu na região nas décadas de 1950-60 e criou a fábrica Sonarec, especializada em vagões de trem. Watkins se tornou um grande empreendedor local e figura querida na cidade. Sua filha, a filantropa Lily Safra, viveu em Mesquita na juventude e décadas depois decidiu retribuir à comunidade: nos anos 2010, Lily financiou a construção do Centro Cultural Mister Watkins, em homenagem ao pai. Inaugurado em 2015, esse centro cultural hoje leva o nome do Sr. Watkins e se tornou um espaço público de artes e eventos, com teatro, sala de exposições e cinema. 

Não se pode esquecer dos líderes que lutaram pela emancipação e organização político-administrativa da cidade. Arthur Messias e Amilton Cordeiro são nomes lembrados nas “memórias da emancipação”, ambos participaram ativamente do Comitê Pró-Emancipação de Mesquita e articularam a mobilização popular nas décadas de 1980-90. 

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A batalha emancipacionista envolveu também disputas judiciais e políticas intensas: o processo passou pelo Tribunal Regional Eleitoral e chegou ao Supremo Tribunal Federal antes da vitória final em 1999. Quando a cidade pôde eleger seus próprios governantes, José Montes Paixão entrou para a história local como o primeiro prefeito, conduzindo Mesquita em seus anos iniciais de autonomia. Outros políticos mesquitenses, como Gelsinho Guerreiro (prefeito em mandatos posteriores) e Daniele Guerreiro (deputada estadual nascida em Mesquita) também tiveram papel no cenário recente, consolidando a presença da cidade nas esferas de poder estadual.

Locais marcantes e patrimônios históricos

Embora Mesquita seja um município jovem, herança de séculos passados pode ser encontrada em seu território através de construções e marcos históricos. Um dos símbolos patrimoniais mais importantes é a Igreja de Nossa Senhora das Graças, localizada no coração da cidade. Erguida originalmente na década de 1940 (sua fundação oficial data de 15 de novembro de 1948), essa paróquia se tornou a matriz católica do município e homenageia a padroeira mesquitense. A igreja, conhecida carinhosamente como “Santa das Medalhas”, possui vitrais coloridos, imagens sacras e uma arquitetura tradicional bem preservada. Situada no alto de uma colina no centro, a matriz também funciona como um mirante natural, de seu adro é possível avistar diversos bairros e pontos de interesse da cidade. Na fachada da igreja, celebrações religiosas e eventos comunitários ocorrem frequentemente, reforçando seu papel como referência espiritual e cultural de Mesquita.

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Outro patrimônio material emblemático é a chaminé da antiga Olaria Ludolf & Ludolf, reminiscência do período industrial de Mesquita. Essa alta chaminé de tijolos, visível de vários pontos da cidade, pertenceu a uma fábrica de cerâmica de proprietários franceses que operou intensamente na primeira metade do século XX. Hoje desativada, ela permanece de pé como um monumento ao passado fabril local. Tamanha é sua importância que a imagem da chaminé foi incorporada ao brasão oficial do município e citada no hino da cidade, simbolizando o auge da expansão industrial mesquitense. Aos pés da chaminé, perto da linha do trem, fica a Estação Ferroviária de Mesquita, originalmente inaugurada em 1884 como “Estação Barão de Mesquita”. A estação ainda cumpre seu papel, servindo diariamente os passageiros dos trens metropolitanos. Sua existência superior a um século a torna um patrimônio vivo, testemunha das transformações urbanas em torno dos trilhos.

Nas imediações do Maciço do Gericinó, em área limítrofe com Nova Iguaçu, encontra-se um sítio histórico-natural de grande relevância: as ruínas da Fazenda Dona Eugênia. Essa fazenda, que data do século XIX, foi uma das propriedades rurais tradicionais do antigo Distrito de Mesquita. Hoje restam apenas vestígios de sua antiga sede, paredes e alicerces de pedra cobertos pela vegetação, localizados dentro do chamado Parque Municipal do Vulcão (Gleba Modesto Leal). As ruínas, tombadas como patrimônio municipal, permitem vislumbrar a arquitetura rural oitocentista e relembrar histórias dos tempos dos barões e café. Próximo dali há também as ruínas do Clube Dom Felipe, que funcionou em meados do século XX como um elegante clube recreativo da elite local, hoje entregue ao esquecimento. Esses vestígios históricos, embora parcialmente deteriorados, integram roteiros de educação patrimonial e atraem pesquisadores interessados no passado mesquitense.

Por fim, há edificações mais recentes que já se tornaram marcos da cidade. Um exemplo é o já citado Centro Cultural Mister Watkins, instalado em um prédio histórico na Rua Armando Sales Teixeira (antiga Rua Mister Watkins, nome que homenageia o empresário russo). O edifício, de arquitetura eclética, pertenceu à prefeitura e foi revitalizado para abrigar o centro cultural, resgatando detalhes originais. Hoje, além de oferecer programação artística, o local em si é um patrimônio cultural, associado à memória afetiva da comunidade e ao mecenato de Lily Safra. 

Também merece menção a antiga Vila Olímpica de Mesquita, construída nos anos 1980 no bairro Cosmorama: embora voltada à prática esportiva contemporânea, ela leva o nome de Baronesa de Mesquita (esposa do barão) e sua própria existência tem valor histórico por ter sido um dos primeiros grandes equipamentos públicos de lazer da cidade.

Locais para conhecer

Apesar de não ser tradicionalmente um destino turístico de massa, Mesquita oferece atrativos peculiares para quem deseja conhecê-la e entender sua cultura. Um dos pontos mais visitados é, sem dúvida, a Paróquia de Nossa Senhora das Graças, não apenas pelo valor histórico, mas também pela vista panorâmica proporcionada de seu adro. Turistas e moradores sobem até a igreja para contemplar o pôr do sol e observar, do alto, marcos locais como a chaminé da olaria e a movimentação dos trens na estação abaixo. Para os apreciadores de turismo religioso, a matriz realiza anualmente em novembro a festa da padroeira, reunindo fiéis de toda a região.

Foto: Divulgação / PMM

Para quem prefere contato com a natureza e aventura, a pedida é explorar o Parque Natural do Gericinó-Mendanha, cujas encostas e trilhas podem ser acessadas por Mesquita. Na chamada Gleba do Vulcão, área protegida contígua ao município, o visitante encontra trilhas ecológicas em meio à Mata Atlântica remanescente, mirantes naturais e até cachoeiras escondidas nas matas. Uma das trilhas leva às formações geológicas conhecidas como Serra do Vulcão de Nova Iguaçu, resquício de antiga atividade magmática que data da separação dos continentes. A poucos minutos do centro urbano, é possível se embrenhar na floresta, tomar banho nas cascatas e praticar esportes de aventura como mountain bike ou rapel. O parque também abriga a já citada Fazenda Dona Eugênia, cujas ruínas adicionam um componente histórico ao passeio ecológico. Esse mix de natureza e história faz do Gericinó uma atração diferenciada, ideal para famílias e escolas em atividades de educação ambiental.

No âmbito urbano, Mesquita investiu em infraestrutura de lazer e cultura. No bairro Vila Emil, conhecido pela vida boêmia tranquila, formou-se um Polo Gastronômico que atrai visitantes de cidades vizinhas. Restaurantes e bares se alinham pelas ruas, oferecendo de culinária regional a pratos internacionais, num ambiente acolhedor. O bairro também sedia a Vila Olímpica Municipal, um complexo esportivo público com quadras, pista de atletismo e equipamentos de ginástica ao ar livre. À frente da Vila Olímpica, ao longo de um extenso muro paralelo à via férrea, foi criado o mural de arte urbana RevitalizArt: são centenas de metros de grafites coloridos que retratam as memórias, símbolos e personagens da cidade. Essa galeria a céu aberto, concebida por artistas locais, se tornou uma atração por si só, cenário para fotos e um exemplo de como a arte pode requalificar espaços públicos.

Mesquita também guarda espaço para a divulgação científica e a educação. Na Praça João Luiz do Nascimento, no centro, funciona o Espaço Ciência Interativa, um pequeno museu de ciências e tecnologia vinculado ao campus local do IFRJ (Instituto Federal do RJ). O espaço recebe principalmente estudantes de escolas da Baixada, mediante agendamento, oferecendo oficinas e experimentos interativos. 

Foto: Reprodução

Por fim, vale citar um “atrativo” especial para os amantes do futebol: Mesquita abriga o Estádio Giulite Coutinho, casa do tradicional America Football Club (Rio). Localizado no bairro Edson Passos, esse estádio de 13 mil lugares ficou famoso por receber jogos do Campeonato Carioca e da série B nacional, trazendo torcedores para a cidade em dias de partida. Na vizinhança do estádio, um conjunto habitacional ganhou o nome de Conjunto Tetracampeão em homenagem à Seleção Brasileira de 1994 – e as ruas do entorno têm nomes de craques como Romário, Bebeto, Dunga, Cafu, entre outros, algo curioso que desperta a atenção de visitantes e fãs de futebol. Em 2023, a prefeitura chegou a batizar a quadra poliesportiva local com o nome do técnico Mário Zagallo, eternizando ainda mais a temática do tetra naquela comunidade. Essas referências esportivas fazem parte do folclore mesquitense e rendem histórias interessantes para contar.

Mesquita conta ainda com dois times profissionais modestos (Mesquita FC e Bela Vista FC) que mantêm vivo o amor local pelo futebol de várzea.

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