Gerson, o Coringa da Baixada Fluminense

Antes de correr no Maracanã, Gerson corria na beira da linha do trem. Na Baixada Fluminense, onde os trilhos dividem bairros e marcam o tempo, a bola era o único relógio que importava. Nascido em Belford Roxo, criado na Posse, em Nova Iguaçu, Gerson Santos da Silva, hoje titular do Flamengo e presença constante na seleção brasileira, é mais um entre tantos que começaram a vida driblando buracos e estatísticas.

Seus primeiros passes foram orientados por Marcão, o pai, que largava o expediente para treinar o filho em campinhos de terra batida. Gerson jogava descalço, com a canela ralada e o olhar de quem já entendia que no futebol, como na Baixada, não há espaço para hesitação. Aos sete anos, vestiu pela primeira vez uma camisa rubro-negra, numa escolinha do Flamengo em Nova Iguaçu. Durou pouco. O trajeto até a Gávea era longo demais, caro demais, injusto demais para quem morava longe demais.

Foto: Arquivo Pessoal

O sonho quase ficou ali, no ponto de ônibus. Mas o Fluminense entrou em cena. Ofereceu ajuda de custo, chamou o menino para Xerém, e viu nascer um dos meio-campistas mais versáteis do futebol brasileiro. No tricolor, Gerson ganhou nome, primeiro nos bastidores da base, depois nos olheiros internacionais. Em 2015, com apenas 18 anos, foi vendido à Roma por um valor que, na época, bateu recordes. Mas o futebol italiano não tinha o calor da Baixada, nem a ginga que ele carregava nos pés. Gerson jogava certo demais para quem o via como promessa e solto demais para os técnicos que queriam disciplina tática.

Foi só quando voltou ao Brasil, em 2019, que encontrou seu lugar. No Flamengo de Jorge Jesus, virou “Coringa”: o cara que marcava, armava, cobria, acelerava e dava passe de três dedos. No meio de craques, destacou-se por fazer o que ninguém via e, ainda assim, ser visto. Ajudou a conquistar a Libertadores, o Brasileirão e outros títulos que fizeram daquele time um dos maiores da história do clube.

Foto: Rafael Ribeiro/ CBF

Na Baixada, o menino de Belford Roxo virou orgulho. É citado em escolinhas, citado em bares, citado em ônibus, como quem prova que, sim, dá para sair daqui e ser alguém. Mas Gerson nunca saiu por completo. Visita a família sempre que pode, evita badalação, prefere o silêncio da casa ao barulho das manchetes. Seu jeito é o da Baixada: direto, sem firula fora do campo, mas impossível de ignorar quando o jogo começa.

Em 2021, voltou à Europa, contratado pelo Olympique de Marseille. Ficou dois anos. A saudade da torcida e a conexão com o clube fizeram o Flamengo buscá-lo de volta em 2023, por cerca de 92 milhões de reais. Retornou com mais experiência, o mesmo talento, e um cabelo que já virou marca registrada: trançado, estiloso, uma assinatura que ecoa identidade e origem.

Foto: Reuters

Hoje, aos 28 anos, Gerson segue em campo com a mesma intensidade de quem atravessava Belford Roxo de chinelo, driblando o tempo, o medo e a falta de oportunidades. Em cada toque na bola, carrega um pouco da rua, do pai, do trem, da terra batida, da esperança que nasce em lugares onde dizem que nada nasce. Talvez por isso continue sendo chamado de “Coringa”. Ele joga em qualquer posição, mas nunca esquece de onde veio.

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