Um nordeste na Baixada Fluminense

“Que o Brasil é o país do carnaval todos sabem. Mas entre maio e agosto, pelo menos na Baixada, as quadrilhas juninas reinam absolutas na região.”
Jornal O Globo de 1993

Por Isabelle Brenda

          Das muitas festividades da Baixada Fluminense uma delas se destaca: a festa junina. O mês de junho mal começa e as ruas de Duque de Caxias começam a ser enfeitadas com as bandeirinhas e a Festa de Santo Antônio é anunciada como o maior evento popular e religioso da baixada. São seis dias de festa que atraem mais de 200 mil pessoas e quem passa pelo centro da cidade de Duque de Caxias, nessa época do ano, entende a dimensão do festejo.

         A cidade de São João de Meriti também não deixa de dar uma grande festa para o seu padroeiro, São João Batista, a cidade tem 376 anos de história e promete fazer um grande arraiá. O início da temporada de festas juninas também chegou a Magé, mas lá a prefeitura articulou um arraiá diferente, o “Arraiá da Educação pela Paz”, que tem como objetivo difundir a cultura popular nordestina. Ufa! São muitas festividades, poderíamos elencar inúmeros eventos que estão acontecendo e vão continuar até o mês de agosto, eita, povo festeiro!

         Vamos dar início a nossa história, o narrador grita “Anarriê” e começa a apresentação das Quadrilhas Juninas. Elas representam parte da tradição junina e carregam a tradição nordestina e as marcas da colonização europeia. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio de Janeiro foi o segundo estado a receber mais migrantes nordestinos e a Baixada Fluminense recebeu grandes levas dessa população. Os nove estados do nordeste ajudaram a povoar nossos treze municípios da Baixada e, certamente, essa nossa tradição junina recebeu forte influência do Nordeste.

         A veia nordestina pulsa forte na Baixada Fluminense, compreendermos as festividades juninas e as quadrilhas como marco do povo nordestino na região significa reconstruir o nosso rico patrimônio cultural.

“O balão vai subindo, vem caindo a garoa. O céu é tão lindo e a noite é tão boa. São João, São João, acende a fogueira no meu coração.”

         Como falar de festa junina sem citar as famosas quadrilhas. Você certamente já deve ter visto uma apresentação, mas já se perguntou as origens dessa dança, que na verdade parece um grande baile de casamento pois tem noivo, noiva e até padre?

         As origens da quadrilha remontam a Europa, mais especificamente Paris. Ela foi introduzida no Brasil nos tempos regenciais e fez sucesso nos salões brasileiros do século XIX, principalmente no Rio de Janeiro onde estava situada a Corte. Não demorou para que a festa saísse do palácio e caísse no gosto do povo, que modificou seus passos e alterou, inclusive, a música.

         Quem nunca dançou quadrilha na escola? Talvez você tenha presenciado uma representação quase caricata, às vezes pejorativa do homem caipira, com dente preto, pintinhas na bochecha e roupas bregas, mas isso vem mudando. No fim do século XIX, as damas que dançavam quadrilha usavam vestido longo com gola alta, cintura marcada e botinhas de salto abotoadas do lado. Os cavalheiros vestiam paletó até o joelho, colete, calça, camisa de colarinho duro, gravata de laço e botinas.

         A quadrilha não se limitou à nobreza nacional e há quem diga que, na verdade, negros, índios, mestiços e portugueses pobres que foram os grandes responsáveis por disseminar o caráter popular da festa.

 “Pula fogueira iáiá, pula fogueira iôiô”

          Hoje em dia as festas juninas foram migrando para clubes, locais geralmente situados nas zonas urbanas, ou para centros da cidade e praça pública que passaram a concentrar as festividades. Pouco a pouco as finalidades lúdicas da festa vão se sobrepondo à sua conotação religiosa (festa dedicada aos Santos Católicos), o cenário rural dá espaço ao urbano. É só pensarmos nas nossas festividades juninas na Baixada, em sua maioria são realizadas nos centros das cidades ou em clubes fechados.

         Ao refletirmos sobre essas festas, comidas típicas e quadrilhas devemos considerar o aspecto histórico e religioso, ou seja, a celebração dos santos, suas tradições ligadas ao campo e as colheitas, mas, sobretudo, suas transformações nos últimos tempos. A Baixada presenciou todas essas mudanças. As quadrilhas, por exemplo, transformaram as vestimentas, músicas, danças e tantos outros aspectos.

Lá em 1993…

         Os jornais são ricas fontes de informação. Analisei algumas edições do jornal O Globo no caderno dedicado à Baixada Fluminense e encontrei uma edição de 1993 (há trinta anos) que versa sobre Quadrilhas Juninas. Nesta matéria há um dado interessante: segundo o diretor de eventos da Federação dos Arraiais e Quadrilhas Juninas do Estado do Rio de Janeiro, à época existiam cerca de 500 quadrilhas na Baixada, das quais pelo menos 400 estavam em Duque de Caxias, principal centro junino da região. A reportagem é recheada de humor e vale a leitura.

         Em outra reportagem do mesmo jornal há a descrição dos gastos com as roupas segundo os quadrilheiros, para os homens há o preço do sapato de couro, calça semibege e paletó, camisa de cetim, chapéu de feltro ou panamá e gravata borboleta e faixa. Para as mulheres há o preço do salto alto, meia calça, chapéu de palha etc.

         Ao final do conjunto de reportagens há a indicação de onde são realizadas as principais festas e até quando podem ser visitadas: Arraiá do Sapatinho, no Éden, São João de Meriti; Arraiá da Minha Deusa, Coelho da Rocha, São João de Meriti; Arraiá da Igreja da Matriz também em São João de Meriti, Arraiá da Rosa Linda, no Parque Fluminense em Duque de Caxias. Será que essas festas acontecem até hoje?

         Enfim, a tradição da festa e da quadrilha junina tem uma longa história e permanecem vivas na Baixada Fluminense. Aqui no BRAVA BAIXADA há diversas reportagens sobre arraiás, concursos de quadrilhas, e outros festejos que agitam os nossos municípios. É nosso dever manter a tradição viva e seu real significado histórico. Todo esse esforço ajuda a construir e manter vivo o nosso rico patrimônio cultural.      

Bibliografia

RANGEL, Lúcia Helena V. Festas juninas, festas de São João: origens, tradições e história São Paulo: Publishing Solutions, 2008
BARROSO, Hayeska Costa. “Prepare seu coração pras coisas que eu vou contar.”: o ensaio sobre a dinâmica das quadrilhas juninas no Ceará. Dissertação de Mestrado, UECE, 2013. 107p

Isabelle Brenda é nascida e criada em Duque de Caxias. Formada em História pela UFRJ, pesquisa sobre História da Imprensa no Rio de Janeiro no século XX. Atualmente, trabalha como supervisora de pesquisa no IBGE.

2 thoughts on “Um nordeste na Baixada Fluminense

  1. Adorei esse texto que nos conta a influência francesa, passando pelo nordeste e os migrantes que fazem da nossa Baixada um pedacinho dessa região!!

  2. Gostaria de parabenizá-la pelo seu texto em exaltação à cultura junina fluminense. Ao contribuir com sua abordagem sobre as festas juninas e quadrilhas do Rio de Janeiro, é importante ressaltar que, ao contrário do que muitos pensam, essas manifestações culturais não têm como “marco” exclusivo o Nordeste. As festas juninas eram originalmente festas para São João e chegaram ao Brasil com os jesuítas, que ensinaram aos povos indígenas os costumes religiosos tradicionais de Portugal, e uma das principais celebrações era em homenagem a São João, isso até o século XVIII. O Rio de Janeiro, quando capital da República, possui uma rica tradição de festas dedicadas aos santos juninos e das quadrilhas como expressões artísticas. Aqui encontram-se algumas das evidências desses costumes.

    É verdade que cada região do Brasil seguiu sua própria trajetória. O Nordeste, com sua rica diversidade cultural, transformou suas festas em eventos grandiosos, atraindo muitos turistas e servindo de exemplo. Contudo, essa evolução não diminui a importância da tradição junina no estado do Rio de Janeiro. A influência do Nordeste nas festas juninas e quadrilhas começou a se destacar a partir da década de 30 em São Paulo onde a “cultura caipira” era muito forte e, na década de 50, no Rio de Janeiro. Foi também nessa época que músicas como as marchas juninas de Luiz Gonzaga passaram a integrar o repertório nacional, abrindo caminho para diversos outros músicos nordestinos.

    Até a década de 70, as festas juninas no Rio de Janeiro eram embaladas principalmente por marchinhas juninas, muitas vezes tocadas por bandinhas ao vivo. Artistas de outros estados começaram a ser criticados pelo suposto enfraquecimento das músicas consideradas tradicionais na época. Conforme relatado pelo Jornal O Globo em 24 de junho de 1977, esse debate refletia as mudanças culturais em curso.

    Como pesquisador e fazedor de cultura junina no Rio de Janeiro, gostaria de, respeitosamente, acrescentar à discussão a importância de resgatar a história da cultura junina fluminense como uma parte integral da identidade do Rio de Janeiro. A cada ano, vejo referências que atribuem exclusivamente ao Nordeste a origem dessa cultura, que também possui raízes profundas por aqui. Grande abraço e saudações juninas.

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