A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou nesta semana a recriação de um dispositivo que permite o pagamento de gratificações a policiais civis por ações que envolvam a “neutralização de criminosos” ou a apreensão de armamento pesado. A medida, incluída por meio de emenda ao projeto de reestruturação da Polícia Civil, retoma a lógica da controversa “Gratificação Faroeste”, política extinta no fim da década de 1990 após ampla mobilização de entidades de direitos humanos.
A aprovação do texto provocou reação imediata de organizações da sociedade civil, parlamentares, juristas e organismos internacionais. Para Adriano Dias, fundador da ComCausa – Defesa da Vida, o retorno da gratificação representa um grave retrocesso histórico.
“Estamos diante da repetição de um dos períodos mais sombrios da segurança pública do Rio. A gratificação faroeste transformou a morte em critério de bônus e institucionalizou a barbárie. O Estado, que tem o dever constitucional de preservar vidas, passa a premiar execuções sumárias e a estimular a letalidade. Isso não é segurança, é licença para matar”, afirmou Adriano Dias.
A origem da gratificação: prêmio por resultados letais
A chamada “Gratificação Faroeste” foi instituída oficialmente em 1995, durante o governo de Marcello Alencar, por meio do Decreto nº 21.753. O dispositivo permitia o pagamento de bônus de até 150% do salário a servidores da segurança pública que apresentassem “resultados operacionais”, entre eles a apreensão de armas de grosso calibre e a morte de suspeitos em confrontos, frequentemente registradas como autos de resistência.
Na prática, o incentivo institucional gerou uma explosão na letalidade policial. Um levantamento apresentado à própria Alerj nos anos 1990 revelou que 64% dos laudos cadavéricos de casos premiados apresentavam sinais de execução, como tiros na nuca, pelas costas ou à curta distância. A reação da sociedade civil culminou na aprovação da Lei nº 2.993/1998, que proibiu o pagamento de gratificações vinculadas a mortes em operações, levando à revogação formal da política.
Baixada Fluminense foi epicentro da violência
Segundo Adriano Dias, as comunidades mais afetadas na época foram justamente as periferias urbanas, em especial a Baixada Fluminense, região onde a ComCausa atua há mais de 20 anos.
“Vimos mães enterrando filhos assassinados, comunidades inteiras acuadas e uma polícia pressionada a matar para alcançar metas. Esse modelo só aumentou a violência e a desconfiança entre população e forças de segurança. Reviver isso em 2025 é jogar gasolina em uma fogueira que nunca se apagou”, destacou o ativista.
Reação institucional e denúncias internacionais
A repercussão da retomada da política foi imediata. O Ministério Público Federal (MPF) enviou ofício ao governador Cláudio Castro alertando para três graves irregularidades no projeto aprovado: vício de iniciativa (por ser prerrogativa exclusiva do Executivo); afronta à decisão do STF na ADPF 635, que exige a redução da letalidade policial no Rio; e violação do direito à vida e ao princípio da moralidade administrativa.
Além disso, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (CDHMIR), presidida pelo deputado Reimont (PT-RJ), encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR) pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal.
“O Estado não pode premiar financeiramente a morte de pessoas. Isso institucionaliza a execução sumária e transforma a segurança pública em política de extermínio. O dever do Estado é preservar vidas, não incentivar a letalidade policial”, declarou Reimont em pronunciamento no Congresso.
ComCausa defende alternativas baseadas na vida
A ComCausa defende que o enfrentamento à violência ocorra por meio de inteligência, valorização da investigação qualificada e investimento em redes comunitárias.
“É preciso investir em políticas sociais, em tecnologia e em proteção aos próprios agentes de segurança. O policial não precisa de um cheque pela morte, mas de condições dignas de trabalho. O verdadeiro mérito está na preservação da vida. Transformar a morte em moeda de troca é uma barbárie institucionalizada”, completou Adriano Dias.
A organização lembra ainda que o Brasil é signatário de tratados internacionais como o Pacto de San José da Costa Rica, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e as Regras da ONU sobre o Uso da Força, todos contrários a modelos de incentivo financeiro à letalidade policial.
Caminhos e escolhas
Para Adriano Dias, o debate reacende a necessidade de o Estado brasileiro definir que tipo de segurança pública deseja construir:
“Segurança com inteligência e direitos ou barbárie com bonificação? A morte não pode ser critério de desempenho. A verdadeira coragem é salvar vidas, construir pontes com as comunidades e garantir justiça. Essa é a luta que vamos continuar travando — com verdade, memória e resistência.”
Anuncie no BRAVA!
Entre em contato pelo e-mail comercial@bravabaixada.com.br e peça um orçamento.