Voam os dias

Por Jackeline Marins

Abril é findo.

Terminou o mês que se inicia com o dia da mentira… 1º de abril. Quem nunca brincou com isso?

Com ele vão-se o dia dos povos originários, o dia de Tiradentes, o mártir da inconfidência mineira, e o dia do descobrimento.

Essa última data comemorativa produz lembranças e risadas da infância de meus filhos. Traz à mente, o dia em que minha filha mais velha teve uma longa discussão na escola, porque não se conformava com o capítulo da descoberta do Brasil e pronto.

Incisiva, atacou o pobre professor de História, perguntando sobre os indígenas brasileiros em 1500 e, ato contínuo, lançou sobre ele o questionamento: “Mas, se os índios estavam aqui antes dos portugueses chegarem, eles já haviam descoberto o Brasil. Não tem essa de esquadra de Cabral, professor”.

A razão já estava com ela, eu diria. Mas expliquei que era preciso, entrar no mundo acadêmico e elaborar uma nova forma de ver essa história, para validá-la e fazer que estivesse presente nos livros de História. E, ao responder em qualquer prova, deveria escrever que quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral.

Acho ótimo que muitos concordem com ela.

No dia 20 de abril a cada ano, temos um evento na frente do Palácio Tiradentes. É dia da lavação da Estátua. Entre risos, nos deliciamos com o dia de Tiradentes tomar banho, para as comemorações de 21. À noitinha, chegam os bombeiros com seu caminhão e a escada magirus para a limpeza especial, que vai deixá-lo limpinho para as comemorações.

Maio vem de supetão. Já vem nos trazendo infindáveis reflexões sobre o trabalho e a nossa condição de trabalhadores.

Na França, manifestantes muito ativos reclamam e se colocam contra reformas trabalhistas que tem por objetivo reduzir direitos. Não brinquem com eles, afinal, é bom não esquecer que esse povo fez a grande Revolução.

É sempre bom lembrar a canção dos maravilhosos Beto Guedes e Ronaldo Bastos, Amor de Índio, na voz magistral de Milton Nascimento, autor nos fala que “todo amor é sagrado e o fruto do trabalho é mais que sagrado”…  “a massa que faz o pão, vale a luz do teu suor…”

Alimento da alma e dos corpos, no amor está também incluído o trabalho. Para além do autômato mecanismo de produzir.

Por aqui, embora haja um sistema de leis trabalhistas que asseguram a proteção do trabalhador, considerando este a ponta mais frágil da relação, não faltam na grande mídia, inúmeras notícias de resgate de pessoas trabalhando em regime análogo à escravidão. Em condições de total precariedade e sem resguardo dessas leis.

Uma lástima! A profanação do sagrado fruto que brotaria daquelas mãos produtivas.

Último país das Américas a acabar com o regime escravista de produção tem uma herança de dores inomináveis, que contaminam o processo produtivo e maculam o mercado de trabalho, que deveria primar pelo respeito aos direitos das pessoas.

Bom que a sociedade consumidora já ganhou mais consciência de sua importância e, uma grande parte das pessoas suspende o consumo de produtos oriundos da escravidão moderna.

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Nosso estado se preocupa com a supressão do trabalho em condições análogas à escravidão. Lembrando o sistema brasileiro de proteção aos trabalhadores, nossos representantes na Alerj, apresentaram, recentemente, proposições com o objetivo de coibir e penalizar empresas que ainda não compreenderam a realidade e utilizam o trabalho quase escravo de pessoas libertas, mas que vivem em condição de miserabilidade econômico-social-educacional.

Fazendo uma pesquisa superficial e rápida, buscando como chave de consulta a palavra “trabalho”, temos ao menos 10 projetos com medidas para coibir o trabalho análogo à escravidão no Estado do Rio de Janeiro. São de autoria de parlamentares de variados espectros políticos, deputadas e deputados preocupados em apagar de nossa unidade federativa a mancha do trabalho baseado na escravidão contemporânea.

De acordo com as informações apresentadas na justificativa de um dos projetos da deputada Marina do MST, que pretende criar um banco de dados, estatísticas e informações sobre a ocorrência de trabalho análogo a escravo, o Ministério do Trabalho resgatou 918 trabalhadores nestas condições entre janeiro e março de 2023. Número recorde para o primeiro trimestre em 15 anos.

O projeto da deputada Tia Ju, proíbe que empresas condenadas por prática de trabalho análogo a escravo possam estabelecer contratos com a administração pública do Estado do Rio de Janeiro. Trazendo, em sua justificativa, dados do IBGE, dando conta de que 590 pessoas resgatadas do neoescravismo nasceram em nosso Estado e, destes, 707 residem por aqui.

O projeto lembra, também, que o Brasil é signatário de acordos internacionais para supressão de trabalho precário, como é o caso da Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, da OIT – Organização Internacional do Trabalho. Além disso, o Código Penal, tipifica esse crime no artigo 149 e prevê pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa para pessoas jurídicas que o cometam.

Do deputado Márcio Canella, o projeto que pretende incluir uma matéria no currículo da rede pública estadual de escolas, para tratar sobre os direitos trabalhistas e previdenciários. Medida importante para a formação de cidadãos mais conscientes sobre seus direitos e que auxiliam no combate à precarização dos vínculos de trabalho. Para novas gerações mais antenadas que poderão auxiliar seus pais e familiares com a difusão desse conhecimento.

Outra grande preocupação dos parlamentares é com a reinserção dessas pessoas resgatadas no mercado de trabalho, com a possibilidade de restauração da sua dignidade e a garantia de seus direitos.

O projeto do deputado Professor Josemar, preocupou-se com o estabelecimento de penalidade para as empresas que utilizarem mão de obra em regime análogo à escravidão, além daquelas já aplicáveis, conforme lei federal.

A preocupação com a exploração do trabalho infantil também está presente, bem como o estabelecimento da igualdade de gênero entre mulheres e homens, expressa no projeto da deputada Célia Jordão, que pretende criar um programa de informações sobre combate à discriminação das mulheres no mercado de trabalho. Enquanto o deputado Vinícius Cozzolino, apresentou projeto vedando a concessão de benefícios fiscais para empresas condenadas por exploração do trabalho infantil.

Há iniciativas com temática muito semelhante que têm dado ensejo à apresentação em co-autoria, para que não sejam sobrepostas as matérias, aproveitando a iniciativa de cada um, para construir um texto mais completo e viável para a aprovação.

O fazer legislativo envolve não só as boas ideias e intenções na iniciativa das proposições. É preciso levar em conta as questões políticas envolvidas e que, nem sempre, estão implícitas nas proposições ou em sua tramitação. E, toda iniciativa que reúne mais de uma autora ou autor, tem mais chance de convencer os pares da relevância de sua aprovação.

Em plenário, essa semana entra na primeira discussão o projeto de lei do deputado Márcio Pacheco, apresentado em 2011, que pretende instituir um criar um centro de reabilitação dos profissionais de educação, para tratar doenças profissionais. Na justificativa, o autor apresentou uma série de considerações sobre as doenças que estão acometendo uma categoria inteira. Baseado na ideia de que é preciso olhar melhor o avesso do bordado e assegurar melhores condições de vida para esses trabalhadores.

Políticas públicas importantes para atender pessoas em situação de vulnerabilidade e que carecem de auxílio para, de maneira poética e com forte simbolismo, garantir que será sempre sagrado o fruto de seu trabalho.

Pensando na despedida da doce Belinha (queria que fosse 1º de abril), minha cachorrinha que partiu essa semana para a casa do Grande Cão – o Deus dos Cachorros -, temos trabalhadores entre nossos irmãos menores, os animais. São cães guia, que conduzem os deficientes visuais; cães farejadores, que auxiliam os bombeiros nas buscas em grandes desastres; os cavalos que servem de transporte e auxiliam os fisioterapeutas com as sessões de equoterapia para crianças com deficiências diversas…

Minha homenagem singela a esses bichinhos que ensinam amor e nos auxiliam em tarefas que só eles são capazes de realizar! Ainda mais sagrado é o fruto desse trabalho!

Jackeline Marins é Mestre em Política Social, Especialista em Administração Pública, Pedagoga, Especialista do Legislativo colaboradora do BRAVA BAIXADA.

One thought on “Voam os dias

  1. Ah, adoro essa coluna! Como trazer poesia a um tema tão difícil como o trabalho e tudo o que o envolve?! Bom saber que estamos iniciando um caminho, que espero ser sem volta, para termos melhores condições de trabalho para toda classe que com seu suor coloca o pão na mesa.
    Bom demais ler isso aqui!!!

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