Direção ou Velocidade?

Por Jackeline Marins

A pressa é inimiga da perfeição… Devagar se chega longe… Afobado come cru… Quem ri por último ri melhor… A direção é mais importante que a velocidade.

Quem nunca ouviu um ditado popular?

Essas expressões passam de geração a geração e transmitem ideias e conhecimentos com o objetivo de ajudar no entendimento da vida social, fazer um alerta ou provocar reflexão sobre acontecimentos do cotidiano.

Fazem parte da cultura nacional ou local e se originam na diversidade cultural do nosso país, mas também estão presentes em outros idiomas, em outras culturas, em outros povos.

E que relação têm os ditados populares e o processo legislativo, que acontece nos parlamentos?

Vamos lá. Vejamos o exemplo da cronologia de um projeto de lei.

No caso, o Projeto de Lei nº 402/2015, de autoria dos deputados Renato Cozzolino e Waldeck Carneiro, que pretendeu autorizar o Poder Executivo a criar curso de pré-vestibular gratuito, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.

Com o projeto, os autores pretenderam que alunos do ensino médio de escolas da rede estadual pudessem participar de um curso preparatório para as provas de acesso ao ensino superior, assegurando melhora na qualidade da educação oferecida pelo poder público e maior equidade na concorrência por vagas, entre alunos das diversas redes educacionais.

Um tipo de política pública de ação reparadora, tendo em vista as dificuldades e carências a que os estudantes das escolas públicas de ensino médio estão expostos, se comparados com aqueles oriundos das melhores escolas da rede privada de ensino.

O projeto de PVG – Pré-Vestibular Gratuito -, segue a linha semelhante à do PVNC – Pré-Vestibular para Negros e Carentes, um movimento popular, laico e apartidário, com atuação na educação, oferecendo curso preparatório para o ingresso em universidades públicas, dentre outros objetivos (https://www.sentimentanimalidades.net/pvnc/

Como fica claro, é medida fundamental para a ampliação de horizontes para essa parcela da população que está se preparando para a vida e o mercado de trabalho, em que as inteligências artificiais ocuparão a cada dia mais espaço, levando em alguma medida ao que Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, denominou “obsolescência humana”. Um tanto assustador, não acha?

No caso do assunto do projeto que tomamos por exemplo, especificamente, o que mais importa, a velocidade ou a direção?

Vamos ao processo legislativo e suas tantas idas e vindas e sugestões que somam procurando melhorar a ideia inicial, que pode até ter como referência a música.

“Nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia”… Vamos de Nelson Motta e Lulu Santos, na quase filosófica canção Como uma onda.

Pois bem, para que uma ideia venha a ser uma lei é preciso transformar-se em um projeto de lei e percorrer o caminho legislativo, cumprindo etapas de um processo estabelecido, com regras e ritos a serem respeitados, para que sua validade não seja questionada.

Esse caminho é chamado de processo legislativo, que, conforme consta na página da Câmara dos Deputados na internet, “é o conjunto de atos realizados pelos órgãos do Poder Legislativo, de acordo com regras previamente fixadas, para elaborar normas jurídicas”.

O primeiro passo é adequar a redação ao que dispõe a Lei Complementar nº 95, de 1998, que estabelece a forma como uma proposição deve ser elaborada, redigida e como devem ser feitas alterações e consolidações das leis.

Redigido conforme a boa técnica legislativa, o projeto pode ser apresentado. Protocolado, recebe a identificação com um número e o ano de entrada (no caso do nosso exemplo, nº 402/2015).

Depois de publicado no Diário Oficial, é enviado para cada uma das comissões permanentes designadas fazerem a análise e emitirem posicionamento do colegiado, chamado de parecer. A primeira é a CCJ – Comissão de Constituição e Justiça. As demais variam conforme o tema da proposta em tramitação.

A discussão dos projetos nas comissões pode exigir a realização de audiências públicas para ouvir entidades ou especialistas do assunto e a população interessada. E, por mais que haja prazo estabelecido no Regimento Interno para que seja finalizada a análise, em certos casos, as discussões acaloradas ou as divergências de visões podem “atrasar” esse trabalho, prolongando a etapa dos debates para sanar qualquer dúvida.

Se as comissões decidirem pela apresentação de emendas que alterem substancialmente o projeto inicial, elabora-se um substitutivo, que é uma nova redação para aquela ideia original. Se o substitutivo for de autoria da CCJ, ele continua seu caminho normalmente e as demais comissões podem concordar com essa nova forma. Mas, se o substitutivo é de outra comissão, o projeto retorna à CCJ, que deverá dizer se as alterações propostas estão de acordo com o que determina a Constituição.

Finalizado o processo nas comissões, tantas quantas sejam as designadas pela presidência para fazer a análise, o projeto encontra-se em condição de entrar na “fila” da ordem do dia de plenário, para o primeiro turno de discussão e votação pelo plenário – ou o pleno do parlamento, a totalidade de representantes.

Se receber emendas, o projeto retorna a todas as comissões e vai para a redação do vencido, no caso destas serem aprovadas em plenário, retornando para o segundo turno, quando pode ser emendado novamente, mesmo se tiver agora a condição de substitutivo aprovado.

Se houver necessidade de adequar qualquer mudança feita, faz-se a redação final, que também deve ser aprovada em plenário.

Até que, finalmente, seja aprovado o projeto e este seja enviado para a sanção do governador. Se for sancionado, recebe o número de lei, que é publicada e entra em vigor. Se for vetada parcial ou totalmente, retorna para o Legislativo para que seja mantido ou rejeitado o veto.

Perceberam que o movimento do processo legislativo é lento porque busca o melhor resultado possível?

Parece adequado dizer que a pressa é inimiga da perfeição por aqui.

A propósito, aquele projeto usado como exemplo, tornou-se, após 8 longos anos, a Lei nº 9.964, de 11 de janeiro de 2023, para a alegria dos estudantes do ensino médio, que, depois de uma ideia ter seguido numa boa direção, ainda que caminhando a passos lentos, poderão rir por último e rir melhor.

É o que esperamos!

Jackeline Marins é Mestre em Política Social, Especialista em Administração Pública, Pedagoga, Especialista do Legislativo colaboradora do BRAVA BAIXADA.

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