A cota de gênero e a participação feminina nas eleições

Por Joseph Piñeiro de Carvalho

A cota eleitoral de gênero determina que cada partido ou coligação ao registrar os seus candidatos para a Câmara dos Deputados; Câmara Legislativa; Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais deverá preencher as candidaturas com o mínimo de 30% e o máximo de 70% para cada sexo.

A referida cota é prevista na lei das eleições (artigo 10º, §3º da lei nº 9.504 de 1997), sendo criada com base no princípio da igualdade e é aplicada para ambos os sexos, todavia, tem o objetivo de incentivar as candidaturas femininas, garantindo o mínimo de 30% de mulheres concorrendo aos cargos do legislativo

A representatividade feminina na política brasileira ainda é muito pequena e tradicionalmente não desfrutam de espaço relevante no cenário político nacional, razão pela qual foi necessária a criação da cota de gênero, promovendo a participação das mulheres na disputa dos cargos eleitorais, já que representam a maioria da população, porém, há baixa participação.

A intenção é garantir um espaço mínimo de participação de homens e mulheres na vida política do País (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 11ª ed. Atlas. 2015. P. 301).

Iremos trazer alguns pontos importantes sobre o tema, visto que, cada vez mais vem ganhando importância nas eleições e em discussões nos nossos tribunais.

Apesar de criada em 1997, a cota eleitoral de gênero teve sua redação alterada pela lei nº 12.034, somente, a partir de então, passou a ser efetivamente exigida, porque impôs a obrigação dos partidos políticos e coligações de preencher com no mínimo de 30% as candidaturas efetivamente lançadas.

Destacamos que inexiste previsão legal de cota de gênero para os cargos majoritários (presidente da república; governadores; prefeitos e senadores).

Importante esclarecer que, a partir das eleições 2020, ficou vedada a formação de coligações para as eleições proporcionais. Diante disso, deve cada partido indicar seus candidatos para as eleições proporcionais observando a cota de gênero eleitoral.

Nesse sentido, o partido político deve solicitar à justiça eleitoral o registro de seus candidatos, com a observação da cota eleitoral de gênero. Em caso negativo, o partido será notificado para regularizar a situação no prazo de 72 horas, sob risco de indeferimento do DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários).

O referido indeferimento do DRAP tem como consequência o indeferimento de todos os candidatos daquele partido na disputa do cargo proporcional, conforme previsão do artigo 17 §6º da resolução do TSE nº 23.609/2019 e entendimento jurisprudencial do TSE (REsp nº 2939/PE de 6.11.12), o que demonstra a relevância de o partido respeitar a referida cota.

O percentual mínimo para cada sexo deve ser observado no registro de candidatura e também deve ser respeitado em eventuais casos de indicação para vagas remanescentes ou de substituição de candidatos, conforme entendimento do TSE (AgR-Respe nº 160.892 de 11.11.14).

Esse foi o mesmo entendimento da resolução do TSE nº 23.609/2019 (artigo 17, §4º) para a as eleições de 2020 e provavelmente deve continuar prevalecendo para as próximas eleições.

E quando o desrespeito ocorrer após o deferimento do DRAP, mas antes das eleições? O partido político pode ser surpreendido com o indeferimento do registro de candidatura, renúncia ou morte de alguma mulher, o que poderia acarretar na alteração do mínimo de 30%, e acarretar em um percentual abaixo do previsto na lei eleitoral.

Nesse caso, o mais seguro é o partido político realizar a substituição do candidato, mas pode ocorrer, de não dispor de candidatos do mesmo sexo ou não sendo mais permitida a substituição dos candidatos. Nessa situação, a cota ficará desatendida por fato superveniente, sem culpa do partido político, por não ser razões imputáveis às agremiações partidárias, assim entendeu o TSE (REsp nº 21.498 de 24.06.13, Rel. Min Henrique Neves da Silva; REsp nº 21.498 de 23.05.13).

Salvo se o partido tenha agido de má-fé, no intuito de burlar a lei, o que constituiria fraude eleitoral e acarretaria em punição, em razão da burla à cota de gênero.

Apesar da lei eleitoral fomentar a participação feminina nas eleições, buscando a igualdade entre os sexos, começaram a surgir candidaturas femininas “laranjas” ou “fictícias”, as quais buscam apenas preencher o número previsto em lei de participação feminina, contudo, não há real participação dessas candidatas no pleito eleitoral, configurando fraude eleitoral.

A referida fraude eleitoral normalmente só é detectada após o resultado das eleições, no momento em que se verifica que a votação da candidata foi zerada ou ínfima, assim como, através da inexistência de propaganda eleitoral e de prestações de contas incompatíveis.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem avançado no tema e garantido a efetiva cota eleitoral de gênero. Demonstração disso foi que entendeu recentemente que a fraude na cota de gênero implica a cassação de todos os candidatos registrados pelo partido (REsp nº 19.392 de 04.10.19, Rel. Min. Jorge Mussi), no entanto, também ficou decidido que, para essa sanção exige-se prova robusta.

Outrossim, merece destaque, as situações a respeito dos transgêneros e transexuais, esses seriam contabilizados para o percentual mínimo da cota de gênero?

Em consulta realizada, o TSE entendeu que o gênero não se refere ao sexo biológico, assim, tanto os homens como as mulheres transexuais e travestis podem ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina, conforme o gênero o qual se identificam (Consulta nº 060405458, Ac. – TSE, de 01.03.18).

Os referidos julgamentos demonstram o firme entendimento TSE em estabelecer a obrigação da cota eleitoral de gênero.

Não é crível imaginar que, num país de maioria feminina, somente essa pequena parcela das vagas seja preenchida por mulheres ou que não existam mulheres dispostas nem preparadas para assumir esses cargos eleitos. Na verdade, a baixa participação feminina é fruto da nossa história cultural de predomínio masculino no campo partidário e eleitoral, do baixo investimento de recursos nas campanhas femininas e da restrição de acesso aos meios de divulgação partidárias e eleitorais (Aspectos Polêmicos e Atuais do Direito Eleitoral, Moisés Casarotto, ed. Rideel, 2021, p. 341).

Diante disso, os desafios para concretização da cota de gênero ainda são muitos e exigirão decisões políticas e jurídicas firmes e favoráveis, esperamos que em um futuro próximo a participação feminina seja significativa e participativa ao chegarmos ao ponto de ser desnecessária a previsão legal e de decisões regulamentando o tema.

Joseph Piñeiro de Carvalho é advogadoPós-graduado em Direito Processual Civil; Membro da OAB Jovem de Itaguaí – RJ, Delegado da CAARJ na 23ª subseção da OAB/RJ; e colaborador do BAIXADA POLÍTICA.

Sua coluna sobre Legislação é publicada às quartas-feiras, a cada 15 dias.

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