Por Jackeline Marins
Angela Davis, diz que não temos outra alternativa senão permanecer otimistas, por ser o otimismo uma necessidade absoluta.
Confesso que sou uma pessoa que sempre busca o lado bom das coisas. Como diz meu filho, da turma “good vibes”, “love and peace” (muitos risos), com base nas minhas playlists favoritas.
Nos últimos dias, notícias nada amenas, começaram pela paradisíaca Trancoso, no sul da Bahia, onde um homem foi preso por estuprar a enteada, uma criança de 11 anos, que teve o parto feito em casa, por ele mesmo. Sem anestesia, sem atenção de profissionais de saúde. Só foi levada ao hospital no dia seguinte e um exame de DNA do bebê comprovou a paternidade e, por consequência, o estupro.
O neto de Ivonildo Lino, um idoso de 73 anos, o encontrou morto dentro de casa, com um tiro na cabeça, por uma bala perdida no Rio de Janeiro.
Domingo, num estádio espanhol lotado, um homem brasileiro, negro, atleta de ponta do futebol mundial, sofreu atroz ataque racista e, pasme, numa discussão em campo, foi o único a ser expulso.
Difícil manter as vibrações no alto. Cultivar o otimismo, quando estamos quase vencendo o primeiro quarto do terceiro milênio, após a passagem do Cristo sobre a Terra, e vivemos situações assim.
A menina de 11 anos é uma pessoa humana em desenvolvimento, por isso vulnerável. Uma criança, conforme definição encontrada em documento disponível na Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde.
Naquele documento, com o título 24/08 – Dia da Infância, está escrito que “a infância é a etapa inicial da vida compreendida entre o nascimento e os 12 anos de idade”. E mais, que “ as experiências vividas nesse período são cientificamente reconhecidas por afetar profundamente o desenvolvimento físico, mental, social e emocional dos indivíduos”.
Para ela, falhou a família que a deveria proteger. Mas o estado brasileiro falhou. Permitiu que lhe roubassem a infância e o futuro. Falharam as equipes do serviço público mais próximas dela. Não ia à escola? Não tinha acompanhamento em saúde da família?
E o Seu Ivonildo? Em casa. Atingido, no sacrossanto recesso do lar, como diriam algumas avós mais estudadas que as minhas.
Uma visão colonialista poderia retrucar dizendo: “Ah! Mas isso é Brasil. País em desenvolvimento.”
Mas, e o estádio espanhol, europeu? E os cidadãos do velho continente? Por que, a essas alturas, ainda permanece o racismo?
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Em que ponto tudo isso se conecta com o processo legislativo, os parlamentares, a política, o poder público?
Conexão direta. Sempre. Porque a estrutura robusta da máquina pública, serve, ou deveria servir, aos cidadãos que a custeiam com o pagamento direto ou indireto de seus impostos.
Ah, mas eu estou na faixa de isenção, não pago imposto de renda. Ledo engano, diria um escritor reconhecido da literatura brasileira. Ledo engano, repito eu.
Pagamos impostos diariamente, quando compramos pão, arroz, feijão, ovo… Quando entramos no trem ou pegamos o ônibus. Quando pagamos a conta de luz ou de água, porque uma parte dos custos de nosso consumo, seja de um esmalte ou de uma refeição, é feita de impostos pagos para custear a máquina pública que deve nos proteger na vulnerabilidade e prestar serviços de qualidade.
É no processo legislativo que os impostos são estabelecidos e as obrigações em contrapartida também.
O Regimento Interno de todas as casas legislativas, na Alerj em especial, estabelece que podem ser criadas comissões especiais, previstas no artigo 29, para estudar problemas identificados na sociedade e, a partir desses estudos, propor iniciativas de leis que os tratem.
Foi o caso da Comissão Especial para estudar estratégias de ação e campanhas educativas para prevenção da Aids e da gravidez entre adolescentes, de 2001.
Lá se vão 21 anos, mas dos trabalhos daquela comissão, surgiu um projeto especial de atendimento dos adolescentes, com espaço adequado, com equipe multiprofissional para orientações em saúde na adolescência.
E foi criada uma campanha educativa com foco na prevenção, centrada nos adolescentes, que participavam de capacitação para se tornarem multiplicadores de informações e divulgadores do atendimento especializado, quando necessário.
Além de serem apresentadas iniciativas legislativas identificadas como necessárias. É o exemplo do projeto autorizativo para a criação de escolas para mães adolescentes, na qual haveria um espaço-creche para os bebês ficarem enquanto as mães frequentavam as aulas.
Não foi aprovado. Mas a ideia foi fruto dos trabalhos daquela comissão, que correlacionou a evasão escolar de meninas à maternidade precoce, como fator que mantinha a situação de vulnerabilidade social pela dificuldade de inserção no mercado de trabalho, com baixa escolaridade.
A comissão de Direitos Humanos e Cidadania, desde sua criação, tem trabalhado pautas voltadas para a proteção e garantia de direitos da população em situação de vulnerabilidade social e econômica.
O artigo 26, parágrafo 16 do Regimento, diz que aquela comissão deve acompanhar e se manifestar sobre assuntos ligados aos direitos inerentes ao ser humano, tendo em vista o mínimo de condições à sua sobrevivência digna e ao exercício pleno de seus direitos e garantias individuais e coletivos.
Em nosso país, colonizado, em desenvolvimento, periférico em relação ao mundo eurocentrado, localizado no sul global, racismo é crime. E a luta cotidiana pela transformação do racismo estrutural, apontado por Silvio Almeida, advogado, filósofo e professor universitário, no livro Racismo Estrutural.
De acordo com o autor, Silvio Almeida, o racismo transcende a ação individual e tem a dimensão do poder como elemento constitutivo das relações raciais […] algo possível quando há o controle direto ou indireto de determinados grupos sobre o aparato institucional.
À Comissão de Combate às Discriminações e Preconceitos de Raça, Cor, Etnia, Religião e Procedência Nacional compete a discussão e apreciação de matérias legislativas e o acompanhamento de acontecimentos que envolvam racismo e práticas discriminatórias em geral, além de receber e investigar denúncias.
O debate sobre as questões envolvidas nesses casos, também geram ações legislativas para tratar esse tipo de problema social, inclusive com base na oitiva de representantes de ONGs e do meio acadêmico, que apresentam seus estudos e experiências.
Chegou a hora de chamar Belchior, cantado por Emicida: “tenho sangrado demais. Tenho chorado pra cachorro. Ano passado eu morri. Mas esse ano eu não morro”.
Apesar dessas ações precisarem ser cotidianas, trazem esperança de mudança no panorama social. Ainda que no longo prazo.
Trazem de volta as good vibes, mesmo que pela possibilidade de, um dia, termos um futuro menos árido e espinhoso pra descendência. Talvez demore um pouco. Talvez eu já tenha me tornado uma encantada ou ancestral. Mas virá.

Jackeline Marins é Mestre em Política Social, Especialista em Administração Pública, Pedagoga, Especialista do Legislativo colaboradora do BRAVA BAIXADA.
Que possamos continuar a ter esperança, será ela a nos mover para melhorarmos o mundo para nossa descendência.
Adorei Jackie Marins!!
Muito bom !!!