Por Isabelle Brenda
No dia 08 de março é celebrado o Dia Internacional da Mulher, um dos momentos mais importantes do calendário global do mês de março. É um dia especial, sobretudo quando refletimos onde estamos e aonde queremos chegar. A data, criada em 1917 para a celebração da luta pelos direitos das mulheres, é um marco essencial para o reconhecimento da necessidade da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
A luta pela igualdade protagonizada pelo gênero feminino existe há séculos. Desde a Idade Média, com a caça às bruxas e, até antes, mulheres lutam para ter seus direitos assegurados e reconhecidos. As reivindicações pelos direitos avançaram ao longo dos séculos e alguns deles foram incluídos na sociedade e aparecem até na Constituição:
Art. 5° § I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

É por isso que nesse artigo eu resolvi celebrar! Sei que existe muita estrada pela frente, mas precisamos falar também de coisas boas nessa data especial. Hoje vou contar para vocês a história de Maria Conga (ou Maria do Congo, chame como preferir), líder quilombola e heroína que protagonizou a luta contra a escravidão na cidade de Magé, Baixada Fluminense.
A história de vida da líder quilombola congo-mageense
Maria Conga nasceu no continente africano em 1792 e veio para o Brasil junto com a família por volta de 1804. Separada de seus familiares, foi vendida para um senhor de engenho em Salvador e batizada como o nome de Maria da Conceição. Essa prática de renomear os escravizados com nomes cristãos era bem comum no Novo Mundo, de preferência Maria. Contudo, muitas mantiveram e preservaram seus nomes de origem, parte significativa de suas identidades étnicas e religiosas.
Aos 18 anos, Maria Conga foi vendida e chegou a Magé pelo Porto de Piedade.
Quando completou 24 anos, foi vendida novamente, mas dessa vez para o conde alemão Ferndy Von Scoilder. Maria Conga ganhou a liberdade 11 anos depois, a partir de sua alforria, aos 35 anos. A partir desse momento, sua trajetória como liderança quilombola teve início e ela passou a receber escravizados fugitivos de diversas localidades.
Nas fontes históricas encontramos expressiva participação feminina negra na organização ou nos levantes dos grupos de escravizados contra os dominadores portugueses, bem como nas revoltas populares surgidas nas diferentes regiões do país.
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Modus Operandi
Mas você pode estar se perguntando: qual era o modus operandi das fugas?As fugas eram feitas em bando, facilitadas por um túnel construído por Maria Conga e seus companheiros, ligando regiões escravistas à região onde ficava seu quilombo. Seu método de agir lembra o de Herriet Tubman, mulher negra que atuou como espiã e libertou homens na Guerra Civil dos Estados Unidos. Existe nos EUA um projeto para tornar a ativista o rosto da nota de vinte dólares americanos. BRAVA BAIXADA também é cultura internacional, sabia?!
O Quilombo Maria Conga fica localizado no primeiro distrito de Magé, nos arredores do Morro Maria Conga. Vale lembrar que muitos dos desembarques no Porto da Piedade foram realizados de forma ilegal, após a Lei Feijó (editada em 1831), primeira lei a impedir a importação de pessoas escravizadas.
Segundo a pesquisadora Giselle Florentino o quilombo idealizado por Maria Conga resistiu durante 100 anos aos intentos da Guarda Real de Portugal e foi considerado um dos mais resistentes e combativos nos tempos da Coroa.
Maria Conga deve ser lembrada como uma heroína, pois ela não só abrigava escravizados que conseguiam escapar da violência escravagista, ela cuidava dos doentes, atuava como parteira e era uma líder para a comunidade. Lutou até o fim de sua vida pela liberdade das pessoas que chegavam em seu quilombo, as quais ela tratava como filho.
Ela nunca foi capturada e morreu aos 90 anos, de causas naturais.
Para os fiéis da Umbanda, a partir de sua morte, Maria Conga começou sua jornada como ancestral, tornando-se conhecida como Vovó Maria Conga.
Maria Conga ganha busto no Píer da Piedade
Maria Conga é um exemplo de heroína da resistência à escravidão e sua história precisa ser preservada e defendida. Ciente disso, em uma iniciativa da prefeitura de Magé, foi inaugurado em novembro de 2021, no píer da Piedade, um busto em homenagem a ela.

O busto foi realizado pela artista Cristina Febrone, e conta com uma placa que conta, resumidamente, a história da líder guerreira que veio escravizada do Congo e lutou pela libertação do povo negro no Brasil.
Comunidade Remanescente de Quilombo
As terras em que vivia Maria Conga e os negros libertos foram reconhecidas pela Fundação Palmares como Comunidade Remanescente de Quilombo, constituindo o atual Quilombo Maria Conga, que faz parte da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj).

Atualmente, esse é o único quilombo reconhecido na Baixada Fluminense. Esta comunidade, habitada por uma população majoritariamente negra, constitui uma das regiões do município de Magé menos favorecidas e sofre sucessivas invasões. Os moradores relatam que falta de tudo por lá:
“Não temos água encanada, saneamento básico, escola ou asfalto. Em pleno século 21, continuamos num quilombo”, desabafa o montador José Carlos Marinho da Conceição, de 50 anos, sintetizando uma ideia comum entre as 180 famílias do Maria Conga. (Jornal Extra 19/11/2011)
Acredito que a figura de Maria Conga desperte o sentimento de orgulho de ser mulher, a sua trajetória está ligada à força de todas as mulheres e ressalta a importância da mulher negra na história do nosso país. Nos nossos livros didáticos quase não vemos a representação de mulheres imponentes, somente a concepção mais tradicional de líderes do sexo masculino. Entretanto, devemos ter em mente que muitas mulheres, assim como Maria Conga, foram protagonistas na história do Brasil.
Fontes:
Dissertação Camila .pdf (capes.gov.br)
Coroação de Maria Conga, em Magé: Ato de Repúdio à Pichação que Marcou a Estátua da Líder Quilombola às Beiras da Baía de Guanabara – RioOnWatch

Isabelle Brenda é nascida e criada em Duque de Caxias. Formada em História pela UFRJ, pesquisa sobre História da Imprensa no Rio de Janeiro no século XX. Atualmente, trabalha como supervisora de pesquisa no IBGE.
Olá, Isabelle!
Ótima coluna, parabéns pelo seu trabalho.
Faço apenas uma observação: atualmente, há 3 quilombos reconhecidos pela Fundação Palmares em Magé.
Abraços.