Conheça a extinta Vila de Estrela – Uma cidade fantasma em Magé

Por Isabelle Brenda

O atual município de Magé foi muito importante no período do Brasil Império (1822 – 1889). A cidade já teve diversos portos relevantes, alguns já apareceram aqui na minha coluna do BRAVA BAIXADA, como o Porto da Piedade (atualmente, Pier da Piedade). Entre o Porto Opa, Porto de Iriri, Porto da Barrinha, Porto de Suruí, Porto de Mauá, o Porto da Estrela foi o maior. Era nada mais nada menos que passagem obrigatória para quem subia a Serra de Petrópolis e para o transporte de carga do interior para o Rio de Janeiro, então capital do Império.

Mas por que será que do Porto Estrela, outrora próspero e com importância histórica, só restam as ruínas e pedras do cais? 

Ruínas do Antigo Porto da Estrela, hoje em dia fazem partem de um sítio arqueológico. (Fonte: https://institutoestradareal.com.br)

Conheça a história da Vila da Estrela

A Vila de Estrela foi o principal porto de escoamento da produção do ouro no século XVIII e do café do Vale do Paraíba. Era lá que se iniciava a parte terrestre da variante do Caminho Novo, inaugurado em 1725 e calçada em 1806, um dos caminhos mais importantes no complexo das Estradas Reais que ligavam diversas localidades do país, sobretudo Minas Gerais e Bahia, ao litoral do Rio de Janeiro. Sua vida efêmera deve-se à revolução dos meios de transporte com a construção das primeiras ferrovias do estado. Veja no croqui abaixo o caminho do ouro que iniciava a Vila da Estrela (em azul no mapa).

Antes do Caminho Novo do Ouro

Até o final do século XVIII, o caminho que ligava a Corte às Minas Gerais exigia uma viagem marítima até Paraty e depois a subida da Serra do Mar até Taubaté e a travessia da Mantiqueira. Esse trajeto era difícil e perigoso e ficou conhecido como Caminho Velho do Ouro. Era necessário a abertura de um caminho novo, mais eficiente e seguro, então esse desafio ficou a cargo do bandeirante Garcia Rodrigues Paes, filho do famoso Fernão Dias.

O novo trajeto se iniciava no Cais dos Mineiros próximo à Praça XV, atravessava a Baía de Guanabara e subia o Rio Iguaçu e seu afluente Rio do Pilar até a Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Iguaçu em seu porto Pilar do Iguaçu. Aí começava a parte terrestre do que ficou conhecido como Caminho do Pilar ou Caminho Novo (em rosa no mapa).

Mapa de 1892 com destaque para as duas rotas do Caminho do Ouro

Velhos problemas no Caminho Novo do Ouro

Mesmo com as melhorias no Caminho Novo, o trecho de subida da Serra do Mar era muito íngreme e muitos acidentes continuavam acontecendo. Foi então que um fazendeiro da região, Bernardo Soares de Proença, propôs abrir um novo caminho alternativo, seguindo uma trilha utilizada por indígenas em sua fazenda. A proposta foi aceita e Proença a construiu entre 1722 e 1725 esse caminho que ficou conhecido como “Variante de Proença”.

Um novo porto também deveria ser construído no Rio da Estrela que desaguava na Baía de Guanabara.

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Porto da Estrela

O Arraial do Porto da Estrela tornou-se o mais importante entreposto comercial entre a Corte e Minas Gerais. Lá foi construída uma capela dedicada a Nossa Senhora da Estrela dos Mares. Essa capela se reportava à então poderosa freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, curato de 1677 até 1696, quando foi elevada à freguesia. Esse território era extenso e abrangia uma parte da Baía de Guanabara até o alto da Serra, incluindo uma região da futura Petrópolis.

O progresso de Estrela levou o Arraial a ser elevado a Vila através da Lei Provincial Nº 397 de 20.5.1846. A ela foram anexadas as freguesias de Inhomirim (em 1859) e do Pilar – esta desmembrada de Iguassu como ponto de partida do Caminho Novo.

Magé-Vila da Estrela-Imagem Porto Estrela – Aquarela de Rugendas em 1824 – Fonte IHGI

Era Mauá

Para entendermos bem os motivos da decadência do Porto de Estrela, precisamos falar brevemente sobre a construção da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Mauá. Inicialmente, a Estrada de Ferro Mauá trouxe ainda mais progresso à Estrela, pois a ferrovia encurtava o caminho para a Variante do Proença que passava por Raiz da Serra. Mas… esse foi o início da decadência da região.

Em 1852 o Governo Imperial concedeu a Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889),o maior empreendedor brasileiro do século XIX, a construção e exploração de uma ferrovia desde o Porto de Estrela até Fragoso, na Raiz da Serra. A intenção era subir a serra até Petrópolis e depois alcançar Minas Gerais e São Paulo. Em maio ele fundou a Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis. Em junho recebeu concessão para explorar uma linha de navegação pela Baía de Guanabara desde a Prainha (atual Praça Mauá) na Corte até Estrela (atual Magé), fazendo a integração dos transportes marítimo e ferroviário.

Em 29 de agosto de 1852 teve início a construção da primeira ferrovia brasileira e foi inaugurada em 30 de abril de 1854. Nesse dia, o Imperador concedeu a Irineu Evangelista de Sousa o título de Barão de Mauá.

O trecho inicial construído, ligando o Porto de Mauá a Fragoso, tinha 14,5 km de extensão. Em 1856 a ferrovia foi prolongada até a Raiz da Serra (Vila Inhomirim), chegando a ter 16,3 km. A subida por cremalheira até Petrópolis ocorreu apenas em 1886, quando a ferrovia já fazia parte da E. F. Príncipe do Grão Pará. Em 1890, passou a ser propriedade da E. F. Leopoldina.

A “Baroneza”, primeira locomotiva a vapor no Brasil e a única transformada em monumento cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, circulou pela primeira vez em 30 de abril de 1854 quando foi inaugurada a E.F. Petrópolis,fundada por Irineu Evangelista de Souza, Visconde e Barão de Mauá, patrono do Ministério dos Transportes. Fonte: https://estradas-ferro.blogspot.com/

Estrela perde alguns territórios mas ganha outros

Em 1846 o distrito de Petrópolis foi criado e parte do território seria desmembrado da Estrela. Em compensação, quando da instalação do novo município, Estrela receberia de Magé o distrito de Inhomirim em fevereiro de 1859; a sede desse distrito também seria transferida para Estrela.

O golpe final no Porto da Estrela foi a concorrência do Porto Mauá, a interligação da EF Mauá com a Ferrovia do Norte em 1888, ligando Petrópolis e Minas Gerais diretamente à capital.

Sítio arqueológico formado pelas ruínas da Vila da Estrela (Foto: Gerson Peres)

O município seria extinto em 8 de maio 1892 e seus territórios incorporados a Magé. A freguesia de Inhomirim foi transferida a Magé, onde é distrito até hoje. Já sua sede foi transferida da antiga Inhomirim para a Vila Inhomirim (antiga Raiz da Serra). A antiga sede da freguesia desapareceu e hoje a capela de Nossa Senhora da Piedade está abandonada junto ao cemitério de Bongaba.

Uma reminiscência de Estrela é o Parque Estrela, bairro do distrito de Vila Inhomirim em Magé. Nele, ainda podem ser vistas as ruínas do Porto da Estrela, da “Casa das Três Portas” e da Capela de Nossa Senhora da Estrela dos Mares.

A Vila de Estrela, em Magé-RJ, foi tombada por sua importância arquitetônica, histórica e cultural pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – Inepac em 2005.

Isabelle Brenda é nascida e criada em Duque de Caxias. Formada em História pela UFRJ, pesquisa sobre História da Imprensa no Rio de Janeiro no século XX. Atualmente, trabalha como supervisora de pesquisa no IBGE.

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