Por Jackeline Marins
Queria começar hoje brincando com a imaginação e falando da Mônica, do Maurício de Souza ou das últimas princesas da Disney: Merida, Moana, Elsa e Ana… Mas fui atravessada por escritas que levaram para outros caminhos e menos devaneios. Acontece.
A cientista Natalia Pasternak, (mulher cientista, note-se) em coluna em jornal de hoje, conta a história da pesquisadora Marlena Fejzo, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, EUA, e sua comprovação de que a hiperemese gravídica, é uma doença que acomete mulheres grávidas com enjoos e náuseas muito mais intensos que o normal, fazendo que alimentos, e nem mesmo os líquidos, parem no estômago.
Até que os resultados dessa pesquisa fossem publicados, essa patologia que acomete algumas gestantes era considerado um sinal de histeria, uma tentativa de chamar a atenção dos maridos ou familiares, pensamento que justificou tratamento nada acolhedor para esses casos, até 2022, na França, conforme conta Pasternak na coluna.
Nada de novo no front.
Historicamente, nós mulheres fomos invisibilizadas, classificadas como incapazes, menos aptas para a vida e carecendo da tutela, nem sempre amorosa de pais ou maridos.
Na antiguidade clássica, pensadores gregos já apontavam as diferenças entre homens e mulheres como marcadores de desigualdade. Outras visões somaram-se a essas para justificar a submissão das mulheres ao poder masculino e legitimar sua exclusão de diversos setores da vida social, num processo histórico de cristalização da inferioridade feminina.
E, mais à frente, a psiquiatria atribuiu à aquelas que não se enquadravam nos padrões de comportamento preestabelecidos, o diagnóstico de histeria, como um distúrbio mental, que, mais uma vez, era usado para excluir e legitimar o afastamento social.
Ou seja, usando outras palavras, a cidadania das mulheres, ou o seu direito a ter direitos sofreu forte impacto da naturalização da subalternidade, da inferiorização, da domesticação e do seu confinamento ao espaço privado da família, exercendo atividades de cuidado ligadas à reprodução.
E, finalmente, começam a aparecer os resultados de tantas lutas, com longas batalhas, como as que exigiram o direito à educação e ao voto, as atuais pelo fim das violências, para participar politicamente, como representantes eleitas.
No mundo Disney de fantasia e contos de fadas, as princesas dos anos 2000 já não são mais as mesmas… E como isso é bom!
Merida é uma princesa valente, que gosta de arco e flecha e não está à espera do príncipe encantado. Ao contrário, disputa com seus pretendentes o direito à sua própria mão, vencendo todos eles com seu arremesso certeiro.
Moana, a herdeira do chefe da tribo Motonui, da Polinésia, é escolhida pelo oceano, como a heroína capaz de cruzar mares e enfrentar todos os perigos, encontrar Mauí, um semideus narcisista, e restaurar o coração de Tefiti para salvar seu povo da destruição.
Elsa, a primogênita princesa do gelo, tornou-se livre para soltar seus raios gelados e deixou o comando de Arendel aos cuidados de sua irmã, Ana. Duas mulheres no governo da sociedade da ficção.
Essa semana vivenciamos experiências inimagináveis há alguns poucos anos atrás: na Câmara dos Deputados, a deputada Erika Hilton e, na Alerj, a deputada Dani Balbi, presidiram as sessões de plenário, como parte das comemorações pelo mês das mulheres. Nada demais, não fossem elas as primeiras mulheres trans a ocuparem a principal cadeira do parlamento no Brasil, que conta também com Duda Salabert no pioneirismo.
É um movimento recente que acontece nas casas legislativas para marcar o Dia das Mulheres, assegurando a discussão de pautas femininas e com a cessão simbólica desses espaços.
Melhor seria se fosse uma presença efetiva, pois a Alerj nunca foi presidida por uma mulher e a única que já esteve na Primeira Secretaria foi Graça Matos (2003 a 2011 – por duas legislaturas).
De acordo com dados sobre a evolução do número de mulheres eleitas para as prefeituras pelo país, divulgados pela Agência Senado, sabe-se o seguinte: nas eleições de 2012, eram 4.952 homens e 665 mulheres; em 2016, eram 4.898 homens e 641 mulheres; e, em 2020, são 4.885 homens e 677 mulheres.
Esses dados são um retrato das dificuldades enfrentadas para a consolidação da cidadania política das mulheres, que primeiro precisam romper com a tradição do confinamento doméstico, depois a barreira do investimento nas campanhas e por derradeiro, lutar pela repartição de espaços de poder nos parlamentos e no Executivo municipal, por exemplo.
Podemos ainda acrescentar a interseccionalidade dessas dificuldades. Interseccionalidade é um conceito que considera as camadas de preconceitos, opressões e dificuldades que se sobrepõem para a conquista de direitos de determinados grupos da população.
Vejamos, as primeiras 4 mulheres estavam presentes na primeira composição da Alerj, após a fusão dos estados do Rio e da Guanabara, no entanto, a primeira mulher negra – Jurema Batista – chegou na 8ª legislatura – 2003/2007, depois do primeiro homem negro – Marcelo Dias -, que chegou na 6ª legislatura – 1995/1999; e da primeira mulher com deficiência – Tânia Rodrigues –, que também chegou na 6ª legislatura. Enquanto a primeira mulher trans – Dani Balbi – só chegou na atual legislatura, a 13ª – 2023/2027.
O quadro pintado, traz dados que demonstram as dificuldades em camadas enfrentadas pelas mulheres para o exercício de seus direitos e, em especial, de sua cidadania política. Exercício de poder naquele clube do bolinha, lembra?
Nos quadrinhos brasileiros, a Mônica é a dona da rua. Não aceita desrespeito e ataca com o Sansão. Os meninos, com seus planos “milabolantes” sempre se danam com ela. Mas a realidade nua e crua, nos coloca bem distantes do papel de donas dos espaços e são denunciadas violência na academia, nos transportes públicos, nos bares e boates, nas ruas, nos lares… foi preciso uma CPI do Feminicídio para agregar informações e sugerir medidas de enfrentamento das violências.
Esperemos que as Meridas, Moanas, Elsas e Anas cresçam e possam viver em um mundo menos hostil a elas, somente por serem mulheres. E que elas possam, com sua bravura, transformar o que ainda restar dessa realidade avessa. E que possam usar todo o seu poder para escolher e construir o destino que melhor atenda seus desejos de vida.
E, retomando ao artigo de Natalia Pasternak que foi nosso gancho de hoje, que mais e mais mulheres possam ocupar os espaços e trazer à luz conhecimentos e medidas capazes de gerar benefícios para toda a sociedade, começando pelo atendimento das necessidades mais elementares que nós mulheres ainda temos.

Jackeline Marins é Mestre em Política Social, Especialista em Administração Pública, Pedagoga, Especialista do Legislativo colaboradora do BRAVA BAIXADA.
Apaixonantes este artigo. Bom
Demais poder ver Jackie passeando entre as novas princesas e a dura realidade da representação feminina na política. Mas, bom saber que apesar da estrada longa e dura, estamos passando por ela sem perder nossa essência e na certeza que estamos chegando lá!