Por Jackeline Marins
Ruth Rocha, autora infantil, membro da Academia Paulista de Letras, linda em seus 90 e tantos anos, no livro “Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias”, escreveu também a história de Caloca.
Resumindo, Carlos Alberto, era o dono da bola. Um menino que tinha todos os brinquedos mais maravilhosos que uma criança poderia querer, inclusive uma linda bola de couro. Ele tinha tudo. Só não tinha amigos. Brincava de tudo. Mas, jogar futebol não dava.
Os vizinhos eram muito amigos entre si, mas só jogavam com bola de meia mesmo, até que Carlos Alberto trouxe sua bola pra brincadeira e se tornou o Caloca. Mas, nada era tão simples. E era só o juiz marcar uma falta, que ele logo fazia questão de lembrar pra todo mundo de quem era a bola e o jogo acabava por ali.
No jogo político também tem o dono da bola. Ou os donos da bola…
Em todo o planeta, a política é marcada como uma atividade tipicamente masculina. Um Clube do Bolinha, para lembrar de mais um personagem infantil. Esse fazia parte das revistas da Luluzinha, que ganhou traços de outros desenhistas, baseados em uma personagem feminina do cartoon de Marjorie Henderson Buell, cartonista norte-americana, que a desenhou em 1935.
À semelhança dos quadrinhos e da história de Ruth Rocha, nas casas legislativas pelo mundo afora, o predomínio de parlamentares homens é absoluto. Eles são os donos das bolas. Seja no oriente ou no ocidente global, o parlamento era um clube do bolinha.
Realidade muito semelhante em todo o planeta. E não faz diferença o número de mulheres que compõe a sociedade a qual serve o referido parlamento. Também não faz diferença o nível de desenvolvimento social ou econômico do local.
De acordo com o ranking de representação feminina nos parlamentos de diversos países, publicado em texto de Lená Medeiros de Menezes¹, de 2017, o Brasil ocupava a posição 129ª, atrás de países como Ruanda (1º); Senegal (7º); Nicarágua (9º); Espanha (12º); Timor Leste (17º); Alemanha (21º) e China (62º) e Rússia (104º), para mencionar apenas alguns países.
E mesmo entre os pioneiros na conquista do direito das mulheres ao voto, como Reino Unido (65º) e Estado Unidos (84º), o indicativo de participação feminina em cargos eletivos em seus parlamentos, os situam bem distante dos primeiros colocados.
A intrigante primeira posição de Ruanda, país da África Centro-Oriental, tem seu lugar justificado por pesquisadoras do tema, em razão do genocídio de 1994, denominado o Massacre de Ruanda, combinado com a tradição de matriarcado que assinala o continente africano.
De acordo com dados da Unesco, em 2008, o país se tornou o primeiro do mundo a eleger um parlamento com a maioria de membros composta por mulheres e existem leis fortes de proteção às mulheres, que foram vítimas de estupros e agressões sexuais como armas de guerra, parte dos atos do genocídio.
Em Ruanda, 30% dos cargos públicos de órgãos estatais de todos os níveis são reservados para mulheres, assegurando uma participação mais equitativa na vida política e social, que produziu os seguintes resultados: 62% nos parlamentos nacional e subnacionais; 50% nos ministérios e 40% no funcionalismo do Judiciário, são compostos por mulheres.
Enquanto isso, no Brasil, de acordo com dados do Observatório Nacional de Mulher na Política da Câmara dos Deputados, o Brasil deixou a já incômoda posição de 129º lugar e caiu para o 132º lugar, piorando no ranking mundial de participação feminina.
Na Câmara Federal, em 2014, havia 9,94% de parlamentares mulheres, passando a 15% nas eleições de 2018 e, atualmente, são 14,81%. Percentual de representação feminina pior do que o da Arábia Saudita, que conta com 19,87% de representantes mulheres.
Segundo informações da Agência Câmara de Notícias, da Câmara dos Deputados, nas últimas eleições municipais, foram eleitas 9 mil mulheres para as câmaras, 16% do total de vereadores eleitos, enquanto os homens são 84%, com mais de 47 mil eleitos. Mantendo-se a sub-representação feminina, num país em que as mulheres são 52,5% do total de eleitores, conforme dados do TSE.
Dados veiculados pela mídia, a partir do resultado das eleições divulgado pelo TSE, de 2021, embora se note um aumento no número de representantes municipais mulheres, mais de 900 cidades não elegeram nenhuma vereadora e, em 1 mil e 800 cidades apenas uma mulher foi eleita para a vereança, num país que conta com 5.586 municípios, isso significa que, aproximadamente a metade das cidades não terá vereadoras ou terá apenas uma.
Na Alerj, a proporção de mulheres vem subindo a cada eleição, desde a fusão dos antigos Estados do Rio e da Guanabara, que deu origem ao Estado do Rio de Janeiro. Eram 4 na primeira legislatura (4%); 6 na terceira (8,5%); 13 na sexta (18,5%); 15 na oitava (21%); e são 15 mulheres na atual legislatura, a décima terceira, alcançando o mesmo patamar de 2003.
Nunca houve uma presidente mulher na Alerj e apenas uma deputada foi primeira secretária até hoje. Das comissões, a CCJ e a Comissão de Orçamento, consideradas as mais importantes, nunca foram presididas por parlamentares mulheres. A atual composição da Mesa Diretora (2023/2024) é a que tem mais mulheres: são 5 integrantes dentre as 13 cadeiras.
Nesse cenário, é inegável que os avanços vieram, mas também é preciso falar que ainda permanece a sub-representação feminina e se for analisada a presença de mulheres nos órgãos da estrutura do processo legislativo – Mesa Diretora e comissões permanentes – vê-se a desigualdade política de gênero sem contestação.
Se essa representação for analisada com recortes a partir do marcador raça/cor, a ausência pode ser ainda mais intensa, pois do total de deputadas federais da legislatura que se encerrou em 31 de janeiro de 2023, 80.5% eram mulheres brancas; 9,7% eram mulheres pardas; 8,3% eram mulheres negras e 1,39% eram mulheres indígenas. E somente nas últimas eleições gerais, chegaram as mulheres trans em alguns parlamentos e na Câmara Federal.
Mostra do racismo e do preconceito que estruturam a sociedade e os partidos e pondo à mostra a desigualdade interseccional e persistente que se perpetua nos espaços de exercício de poder, como são as casas legislativas.
E, como afirmam as pesquisadoras, mesmo com tantos avanços mundiais de comunicação e tecnologia que nos conectam instantaneamente, sem impedimentos de tempo e espaço, os homens se mantêm como representantes de uma suposta universalidade de cidadãos e cidadãs, nessa desigualdade estrutural presente no sistema social patriarcal.
As mudanças vem acontecendo. Isso é inegável. A desigualdade e a violência política de gênero estão na ordem do dia e vêm sendo enfrentadas com leis e ações para coibir tais eventos. As diversas bancadas do batom aliam-se, apesar de estarem separadas pelo espectro político, que as coloca em campos políticos opostos, ao serem alcançadas ou procuradas para tratar questões que afetam o ser mulher, aquelas diferenças são superadas, e mesmo deixadas de lado, para elas agirem em uníssono.
E, contando com inúmeros aliados nessa arena de disputa de poder que é a política, retomamos a história infantil que abriu esse texto, para dizer que podemos dividir a bola e queremos integrar o clube do bolinha, sem que levem a bola ao menor sinal de contrariedade masculina.
E é possível para a produção de uma vida mais equilibrada para as mães, irmãs, filhas, netas, somando a visão de mundo das mulheres para compor um belo mosaico, e junto com as mãos masculinas, criar um mundo mais plural, tolerante e fraterno, em que a vida prevaleça sobre as diferenças.
Vamos repartir a bola e abrir o clube para descobrir o bom da vida, como fez o Caloca de Ruth Rocha?
¹ MEDEIROS, L. M. de. Feminismo(s): reflexões sobre silêncios, resistências e descontinuidades. In: MAGALHÃES, L. (org.) Lugar de Mulher: Feminismo e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2017.

Jackeline Marins é Mestre em Política Social, Especialista em Administração Pública, Pedagoga, Especialista do Legislativo colaboradora do BRAVA BAIXADA.
Estamos cansadas dos donos da bola! Por mais mulheres na política, de verdade, não apenas para cumprir legenda.