Craques ou perebas?

Por Jackie Marins

Lembra da infância? Daquele tempo que a criançada se reunia para jogar bola no campinho, que nada mais era se não um terreno abandonado nos subúrbios das grandes cidades ou na vida do interior?

Todos perfilados e juntos, meninas e meninos, esperavam ser chamados para compor um dos times. Uma das minhas primas era muito disputada por todos os times, por ser uma jogadora tipo a Marta de hoje em dia. E essa lembrança me provoca muitos risos.

Fora da descompromissada brincadeira do futebol de várzea ou da pelada da infância, fazer parte das assessorias que atuam no suporte aos parlamentares e demais autoridades do poder público, exige preparo e qualificação para melhor desempenho das funções.

Trajetórias brilhantes na atividade política, não prescindem de equipes bem formadas e preparadas atuando na função auxiliar ao exercício do mandato eletivo ou da função pública que devem desempenhar as autoridades.

Já foram chamados de aspones, um termo pejorativo usado para designar assessores, identificando-os como indivíduos que exercem um cargo ou função sem utilidade real. Mas hoje, adquiriram importância significativa, tanto que há grande quantidade de cursos voltados para a formação de profissionais qualificados, na graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado, nas áreas de administração e gestão pública, políticas públicas, política social, apenas para citar alguns.

Frente à vasta gama de assuntos tratados na elaboração de leis e na formulação de políticas públicas, nas fases do processo legislativo, é exigida a presença de especialistas em áreas temáticas diversas, como educação, saúde e segurança, por exemplo, além dos que detenham conhecimento técnico para apontar os melhores caminhos a serem seguidos na defesa de ideias e projetos.

Afinal, cada indivíduo pode compreender diversos assuntos e ter predileção por um leque de conhecimentos bastante eclético, mas dificilmente teremos uma mesma pessoa que reúna conhecimentos profundos, ou seja especialista, em urbanismo, saúde e segurança pública ao mesmo tempo. Ou em educação, matrizes energéticas e questões relacionadas às pessoas portadoras de deficiência simultaneamente.

Não estamos aqui falando de emitir uma opinião. À semelhança dos milhares de especialistas que criticam a escalação do time do coração nos dias de jogos de campeonato, apontando erros dessa ou daquela escolha feita pelo técnico de futebol responsável pelas decisões táticas do jogo.

Elaboração legislativa e formulação de políticas públicas e implantação e execução de projetos e planos no poder público são atividades que exigem compreensão da dimensão das medidas propostas, em termos de custos orçamentários, consequências para a vida cotidiana das pessoas, impacto na vida produtiva da esfera administrativa abrangida, entre outras questões que se apresentam, e que exigem o domínio de conhecimentos específicos aliados ao comprometimento com a sociedade, permitindo a projeção de efeitos e ou resultados prováveis. Além da adoção de medidas corretivas, no caso de haver qualquer distorção ou efeito negativo inesperado ou não previsto.

Não pode ser atividade baseada em aprendizado por ensaio e erro, como fazem os que gostam de montar quebra-cabeça, testando cada pecinha em diversas posições até encontrarem o lugarzinho correto em que ela se encaixa perfeitamente, enriquecendo o conjunto.

Como numa equipe desportiva, cada integrante de uma assessoria tem função definida e deve zelar pela parte do trabalho que lhe é correspondente. Da mesma forma que dentro das quatro linhas que delimitam um campo de futebol, o atacante deve vencer as barreiras adversárias, fazendo que a bola chegue a quem vai finalizar a jogada e chutar para o gol, enquanto os zagueiros e o goleiro ficam recuados na defesa, impedindo que os adversários, ao armarem um contra-ataque, consigam finalizar a jogada com sucesso.

Voltemos para a atividade legislativa.

Nas comissões permanentes, desenvolve-se parte significativa e extremamente importante da atividade parlamentar. Na Alerj, são 37 comissões permanentes temáticas, responsáveis pela análise prévia à discussão e votação em plenário de mais de 3 mil projetos nessa legislatura. São proposições que tratam dos mais variados assuntos, referindo-se a leis já existentes ou criando novas medidas, cuja aprovação pode acarretar alteração de diploma legal anterior e exige atualização de todo o sistema de controle das leis ordinárias estaduais em vigor ou que forem revogadas.

O trabalho das comissões permanentes é tão primordial, que, a exceção daquelas proposições menos relevantes e que dispensem a análise destes órgãos técnicos por especificidade de sua tramitação, nenhuma matéria pode ser discutida e votada em plenário sem os pareceres emitidos pelas comissões correspondentes, conforme previsão regimental inscrita no artigo 86.

Objetivando que os assuntos mais relevantes tenham a abordagem especializada que a análise criteriosa assim exige, no parágrafo único e incisos do artigo 25, constantes do Regimento Interno da Alerj, estão elencadas todas as comissões existentes de acordo com o assunto de sua competência, a começar pela de Comissão de Constituição e Justiça; e as de Orçamento, Finanças, Fiscalização Financeira e Controle; Defesa Civil; Assuntos da Criança do Adolescente e do Idoso; Defesa e Proteção dos Animais; Minas e Energia; Educação; Saúde; Cultura; Segurança Pública e Assuntos de Polícia, para citar algumas delas apenas.

Excetuando-se matérias muito específicas, todos os projetos de lei devem passar primeiro pela análise da Comissão de Constituição e Justiça, a famosa CCJ, a qual incumbe dizer da legalidade, da juridicidade ou da constitucionalidade da matéria, e a unanimidade de um parecer que conclua pela inconstitucionalidade da proposição, interrompe sua tramitação, fazendo com que seja remetida ao arquivo.

Sua análise difere das demais, pois não se refere ao mérito das proposições, mas sim a sua adequação ao sistema jurídico, aos ditames constitucionais e às normas legais vigentes; enquanto as demais devem manifestar-se favorável ou contrariamente sob o ponto de vista do mérito de cada projeto.

 Ainda que seja possível ter conhecimento sobre assuntos variados, não se pode perder de vista que a qualidade das normas é diretamente proporcional à qualidade das equipes responsáveis por sua elaboração e análise, que devem dar suporte e embasamento sólido para o posicionamento dos parlamentares ou autoridades, no processo decisório de que fazem parte. Tratando-se de atividade que exige pesquisa prévia sobre o tema a ser abordado, sobre a existência de medidas anteriores que necessitem ser alteradas ou revogadas para não conflitarem com a nova lei.

Existem ainda as comissões parlamentares de inquérito – CPI, e as comissões especiais e de representação, que devem se debruçar sobre temas dos mais variados também, realizando investigações próprias das autoridades policiais (CPI) ou elaborando relatórios de estudos feitos nas comissões especiais. E ainda é necessário conhecer fatos e situações específicas, levantando dados, organizando e criando conhecimentos sobre temas abrangidos pelas comissões de representação. É trabalho de verdade!

O trabalho de cada tipo de comissão é também regido por um conjunto de regras administrativas específicas, em que a ordem dos trabalhos, os prazos e outros detalhes técnicos a serem observados requerem a atuação de um secretário ou secretária, que é o servidor responsável por alertar a presidência quanto ao cumprimento dos requisitos regimentais que conferem oficialidade e legalidade aos atos desses órgãos técnicos.

Este suporte técnico, além da necessária equipe de assessores exclusivos dos parlamentares, é realizado pelos assessores das comissões, aos quais cabe responder prontamente aos integrantes desses colegiados, sanando dúvidas e questionamentos sobre as matérias em análise, cabendo inclusive a apresentação de notas técnicas que embasem o parecer ou o voto no âmbito da comissão, sob o comando de seu presidente, ou nas decisões no plenário, sob determinação do presidente da Casa Legislativa.

A qualidade das equipes é tratada aqui sem perder de vista que todos os profissionais estão em desenvolvimento de suas habilidades e capacidades ao longo de toda a sua vida laboral, aperfeiçoando e atualizando os conhecimentos na vida acadêmica formal, em atividades autodidatas e, também, pela leitura e pesquisa constantes.

Ao pensarmos em todo o aparato de suporte, necessário para a realização do trabalho legislativo ou em qualquer outra instituição do poder público, lembrando da vida simples da infância, quando podíamos nos exercitar livremente e realizar nossos aprendizados nas brincadeiras cotidianas, repete-se a pergunta-título: Craques ou perebas?

Jackeline Marins é Mestranda em Políticas Sociais, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedagoga, especialista em Administração Pública, pela FGV-Rio, Especialista do Legislativo estadual e a colaboradora do BAIXADA POLÍTICA aos sábados.

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