O dia mais arretado do ano  

Por Isabelle Brenda

Ser descendente de nordestino é algo comum para os nascidos e criados na Baixada Fluminense. Vejamos esse breve relato: Seu João e Dona Maria se conheceram aqui no Rio de Janeiro, mais especificamente em Duque de Caxias. Ele vinha da Bahia e trabalhava na construção de estradas e ferrovias, ela era vendedora de doces e roupas. Se apaixonaram, casaram e tiveram cinco filhos caxienses. Essa é a história dos meus avós, mas poderia ser a história de muitos descendentes de nordestinos aqui da Baixada Fluminense.  

8 de Outubro – Dia do Nordestino 

Essa data homenageia a cultura nordestina e a diversidade folclórica da região. A data escolhida (8 de outubro) faz referência ao poeta, teatrólogo, músico e compositor Catulo da Paixão Cearense. Conhecido como o Poeta do Sertão, o maranhense Catulo nasceu em 8 de outubro de 1863 em São Luís. 

De acordo com o IBGE, a região Nordeste é a segunda mais populosa do Brasil, com cerca de 58 milhões de habitantes. O Nordeste abrange 18% do território nacional é constituído por nove estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. 

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Migração Nordestina  

A fuga das constantes secas, estagnação econômica e a busca de melhores condições de vida em lugares mais prósperos foram fatores determinantes no início do processo migratório do nordestino. A primeira leva de migrantes foi para a região Amazônica com o “ciclo da borracha”. No auge da industrialização do Brasil, a migração nordestina chega a região sudeste, em especial para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Também há registros de migrações nordestinas para a construção da nova capital federal Brasília.  

A partir da década de 1940 chegam a Baixada Fluminense levas de migrantes que deixaram suas terras, parte de seus familiares e amigos, fugindo da seca e da fome que assolava o agreste e o sertão nordestino. Em sua maioria, vinham trabalhar na construção civil. Desse deslocamento trouxeram suas manifestações culturais, música, culinária, tradição e esperança de dias melhores.  

O Jornal 23.03.1969 Vale a Leitura: http://memoria.bn.br/docreader/110523_06/72827

Feira de Duque de Caxias  

“A migração nordestina é muito forte na cidade, e a Feira de Duque de Caxias proporciona o resgate dessa cultura”, diz a diretora do Instituto Histórico da Câmara de Duque de Caxias, Tânia Amaro. Os migrantes nordestinos que foram ocupando Duque de Caxias ao longo do século XX, contribuíram para uma transformação territorial com atuações nos mais abrangentes âmbitos.  

A Feira de Caxias é realizada aos domingos e conta com cerca de 1.600 barracas, ocupa as aveninas Presidente Vargas e Duque de Caxias, além da Rua Prefeito José Lacerda. A feira teve origem na década de 1920 e, na época, os produtos (frutas, legumes, carnes e roupas) eram trazidos em carroças por agricultores. Era possível encontrar grande variedade de comidas típicas, como caruru, vatapá, acarajé, tapioca, carne de sol e cachaça.  

Foto: Fernanda Bouzan (Acervo Pessoal)

O historiador Rodrigo Sampaio Pinto explica que a diversidade de produtos da feira denota o uso do espaço, as trocas de experiências presentes no local e as relações entre os diversos migrantes que chegavam a Baixada Fluminense e, em especial, a Duque de Caxias. As peculiaridades e a forte relação com as culturas nordestinas fortalecem os vínculos de moradores, 

A Feira de Caxias transformou-se em um roteiro de passagem do recém-chegado e do já estabelecido migrante na região, além de ser uma estratégia de permanência vinculada ao fortalecimento das relações de memória e identidade. Resumindo: a Feira de Caxias passa a ser um espaço de ocupação, atuação e manifestação dos nordestinos e das populações migrantes ao longo do século XX. 

“Feira dos Paraíbas” ou “Feira dos Nordestinos” 

A nomenclatura pode gerar dúvidas e o tema não é pacificado. Em relação ao termo “paraíbas” e nordestinos é necessário levarmos em conta a discussão sobre identidade. Ao meu ver o termo “paraíba” é reconhecido pelos migrantes com um teor mais pejorativo. Diferentemente do termo nordestino, que parece ser mais bem aceito. É claro que existem aqueles que parecem pouco se importar, mas ressalvam que não existe “paraíbas” mas sim paraibanos, cearenses, sergipanos, baianos, maranhenses, potiguares, piauienses.  

Hoje em dia a Feira de Caxias é reconhecida como uma das maiores feiras comerciais do Brasil, reconhecida como espaço de tradições nordestinas, sendo, inclusive, chamada de Feira Nordestinas pelos próprios caxienses. Nela se realizam atividades culturais relacionadas ao Nordeste, como músicas e comidas típicas, e é um importante espaço de socialização entre nordestinos, seus decentes e os demais habitantes da cidade.  

Recentemente, houve um esforço para transformar a Feira em Patrimônio Imaterial do município. O projeto de Lei municipal n° 91 da vereadora Margarete Conceição de Souza Cardoso (Gaete), de 2010, reivindicava a preservação da atividade como patrimônio cultural do município.  

Tenório Cavalcante era alagoano 

Tenório Cavalcante “o homem da capa preta” era alagoano, chegou ao Rio de Janeiro ainda jovem, aos 19 anos e fixou residência em Duque de Caxias. Ele utilizava sua origem nordestina para angariar eleitores originários da região nordeste. O político ficou conhecido no imaginário popular devido sua vestimenta, sempre acompanhado de sua metralhadora apelidada de “Lurdinha”. O deputado sofreu diversos atendados e tentativas de assassinato, por isso construiu uma verdadeira “fortaleza” para garantir a sua segurança. Sua história de vida até inspirou o roteiro de um filme.  

A “Fortaleza” de Tenório antes e hoje em dia

Todas essas relações culturais, sociais e econômicas e mesmo políticas dos migrantes nordestinos e de diversas outras populações que chegaram a Baixada Fluminense demonstram como a região é um retrato do Brasil. Que o dia 8 de outubro seja uma singela homenagem a esse povo que ajudou a construir nossas cidades e formar nossa identidade. 

Referência: 
PINTO, Rodrigo Sampaio. Memória e identidade dos migrantes nordestinos no município de Duque de Caxias: a Feira de Caxias como parâmetro de resistência cultural e social. Dissertação de Mestrado – UERJ, 2018. 

Isabelle Brenda é nascida e criada em Duque de Caxias. Formada em História pela UFRJ, pesquisa sobre História da Imprensa no Rio de Janeiro no século XX. Atualmente, trabalha como supervisora de pesquisa no IBGE.

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