Pode isso, Arnaldo? A importância de conhecer as regras do jogo

por Jackie Marins

No futebol, não se pode imaginar que os jogadores entrem em campo sem conhecer bem as regras sob as quais se dará sua atuação. O técnico, o preparador físico, o massagista e o presidente do clube, também conhecem bem todo o arcabouço regulatório da atividade. Esse conhecimento é fundamental para que os atletas não cometam faltas ou sofram penalidades no transcurso do jogo.

Em política dá-se o mesmo. Bem… assim também deveria ser. Afinal, a atividade acontece numa relação estreita entre os poderes que constituem a estrutura do estado, composta por múltiplos atores, com as mais diversas formações e qualificações, além de suas visões pessoais do mundo circundante, fatores que tornam ainda mais complexa a atividade.

Minimamente, é preciso estabelecer a concepção em que a palavra estado é utilizada, sendo entendida como instância composta por um conjunto de instituições político-administrativas em que se organiza uma nação. Mas também pode-se empregar como identificação de uma unidade da federação ou ainda como ente responsável pela administração dos interesses da coletividade ou o poder público instituído com essa finalidade – esta, a acepção adotada aqui.

O embate político, a aprovação das medidas administrativas propostas e a estruturação legal das políticas públicas que se efetivarão nos governos ocorrem no interior do poder Legislativo, composto pelos representantes diretamente escolhidos pelos eleitores, nos pleitos realizados a cada quatro anos, responsáveis pela execução dessa etapa da atividade política.

O Parlamento é a casa da conversa, de acordo com a origem da palavra, que vem do francês, parler, que, por sua vez, significa falar e o parlamentar é o “falador”, ou seja, o titular da voz que tem oficialidade no Congresso, nas Assembleias ou nas Câmaras Municipais.

A Casa Legislativa é o lugar da falação e do convencimento por excelência. Mas não estamos tratando dessa conversa descompromissada que mantemos com amigos em rodas informais de trocas sociais. Ali se dá a conversação formal, cercada de regras e ritos típicos.

Como se dá o processo decisório nas Casas Legislativas? Como são aprovadas as proposições? Como se pode sustar ações do Executivo sem que se trate de interferência indevida, que afete a autonomia e a harmonia dos poderes? Como assegurar que todos os envolvidos participarão do processo decisório na exata medida de seu espaço de participação?

Existem previsões e regras de conduta parlamentar, de determinação de momentos de interferência no processo legislativo, de possibilidades de manifestar o posicionamento político a despeito dos resultados significarem sucesso ou fracasso, dentre tantas outras questões envolvidas nas peculiaridades da vida política.

Assim como no futebol, o processo legislativo ocorre sob um conjunto de regras, de maior ou menor complexidade, às quais está submetida a atividade dos parlamentares (deputados federais e senadores; deputados estaduais ou distritais; e vereadores), e também a dos atores dos demais poderes do estado envolvidos no processo decisório, abrangidos pelas medidas aprovadas ou pela atuação fiscalizatória do parlamento e os cidadãos, destinatários de todas as ações do poder público.

Não se trata de vale-tudo, em que os lutadores não precisam se prender a um único tipo de arte marcial, ou seja, podem se valer das regras de qualquer uma delas em busca de seu objetivo primeiro: a vitória.

A política é uma atividade repleta de sutilezas e filigranas, em que somente o profundo conhecimento das regras permite desmontar as barreiras e contornar os empecilhos para fazer o melhor uso dos dispositivos em favor das conquistas almejadas e que são feitas em nome de cada eleitor, de cada voto recebido.

Ao tempo em que os atores principais ocupam as cadeiras de poder decisório no Executivo e no Legislativo, existem enormes equipes encarregadas de dar todo tipo de suporte ao presidente e seus ministros, ao governador e seus secretários de estado ou ao prefeito e seus secretários municipais nas relações com os parlamentares, que também contam com suas equipes, na desincumbência de suas funções legislativas ou fiscalizatórias, parte do processo legislativo.

É mandatório que essas equipes constituídas por servidores públicos de carreira ou comissionados da confiança de seus líderes conheçam as regras do jogo político e mais que isso, saibam empregá-las no momento certo para obter os efeitos esperados. Esse conhecimento é tão importante para conquistar a aprovação desejada para as medidas apresentadas, quanto para impedir que seja feito algo indesejado ou contrário aos interesses dos seus representados, que os alçaram aos postos em que se encontram. Ouso dizer que são ainda mais importantes neste segundo panorama, quando é preciso contrapor esforços a interesses da maioria.

Afinal, quando não há unanimidade de opiniões, e na maior parte do tempo essa unanimidade não existe, todas as decisões são tomadas por maioria a despeito da contrariedade de uns. Sendo relevante ressaltar que, há muitos casos em que a diferença entre sim e não é demasiado estreita.

E, em relação direta, quanto maior a dimensão da medida a ser tomada, mais importante é que todo o processo decisório se verifique dentro das margens parametrizadas pelas normas regimentais, constitucionais ou legais que balizam o processo decisório dentro da atividade legislativa, cercando-se da certeza de que não é possível aos opositores a alegação de qualquer tipo de nulidade ou que possa ser invalidado o processo por algum vício oriundo do desrespeito às regras.

Capacitar e preparar as equipes é diferencial importante para o sucesso dos mandatos nas três esferas. Especialmente se considerarmos a multiplicidade das áreas de formação dos seus integrantes em sua relação com as especificidades do processo legislativo e a interferência de questões propriamente políticas nesse processo de embate de forças, na maior parte das vezes antagônicas.

Conhecer as regras do jogo e saber utilizá-las é medida que reduz uma série de custos políticos desse embate, lembrando sempre que tais regras foram formuladas para assegurar, no ambiente democrático, uma maior equidade entre forças desiguais e em relação assimétrica.

Caso contrário, seremos sempre obrigados a chamar o mediador externo e fazer aquela célebre pergunta do reino do futebol: pode isso, Arnaldo?

Jackeline Marins é Mestranda em Políticas Sociais, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedagoga, especialista em Administração Pública, pela FGV-Rio, Especialista do Legislativo estadual e a colaboradora do BAIXADA POLÍTICA aos sábados.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *